Roney Ramos


Médico Veterinário, Doutor em Reprodução Animal pela USP

roney.ramos@genusplc.com

PUBLICAÇÕES

Jersey - da Ilha para o mundo!

29 de agosto, 2020

Autor: Marcelo de Paula Xavier, M.Sc.*

 

Como o próprio nome sugere, o gado Jersey teve sua origem na Ilha de Jersey, a qual está situada ao sul do Canal da Mancha (perto da costa da França). Com sua pureza sendo documentada há mais de 6 séculos, a raça é reconhecida como sendo uma das mais antigas do mundo.

Em 1763, foram promulgadas leis rigorosas que proibiam a importação de animais vivos e material genético na Ilha de Jersey. Ao longo dos dois séculos seguintes, essas legislações foram ampliadas por meio de novos regulamentos, isolando completamente a raça em seu território natal e promovendo sua consolidação na forma como a conhecemos atualmente.

No início do século XVIII, a vaca Jersey já era reconhecida pela riqueza de seu leite e pela excelência na produção de sólidos. Não obstante, foi a fundação da Royal Jersey Agricultural and Horticultural Society (RJA&HS), em 1833, que marcou o início de um esforço mais estruturado para aprimorar tanto as fazendas quanto o gado da Ilha.

Embora a importação de gado fosse proibida para a Ilha de Jersey, a raça despertava grande interesse internacional. Apenas entre 1873 e 1879, por exemplo, mais de 7.330 exemplares foram exportados para destinos como Inglaterra, Austrália, França, Nova Zelândia e América do Norte2. A imagem abaixo retrata um lote de gado Jersey sendo embarcado na Ilha, para exportação.

A primeira identificação formal dos animais e das linhagens da Ilha foi feita em 1866, com o advento do Jersey Herd Book (JHB). Esse livro de registro genealógico tornou-se uma referência muito importante, permitindo rastrear os ancestrais de todo o gado Jersey registrado no mundo1

Com o JHB, todo o gado da Ilha continuou sendo registrado pela RJA&HS de forma ininterrupta, garantindo a pureza da raça. Esta pureza, aliás, é considerada “absolutamente sacrossanta em Jersey”, conforme explica Andrew Le Gallais – presidente da cooperativa local de produtores de leite (veja sua entrevista no final deste coluna).

“Temos uma responsabilidade na Ilha de Jersey. Nós somos os guardiões da raça durante nossa existência e temos que tomar decisões no interesse de longo prazo para a vaca Jersey na sua Ilha natal”, acentua Le Gallais.

Mesmo com a população de gado Jersey sendo mantida totalmente fechada, os produtores locais reconheciam a diferença no desempenho da genética comercializada internacionalmente. Desta forma – com uma lei aprovada em seu Parlamento – a Ilha de Jersey abriu suas porteiras para a importação de material genético em 2008, após 219 anos de isolamento.

Não obstante, o sêmen de mais de 450 touros da Ilha de Jersey – nascidos da década de 1960 até o presente – são armazenados na RJA&HS e nas instalações do Programa Nacional de Germoplasma Animal (NAGP), localizado no Centro Nacional para Preservação de Recursos Genéticos do USDA (Departamento de Agricultura dos Estados Unidos).

A importação de sêmen permitiu que os fazendeiros da Ilha acasalassem suas vacas com muitos touros diferentes, com linhagens diversas e de alto mérito genético. Mas, a capacidade de criopreservar material genético – atual e histórico – proporcionou a segurança e a flexibilidade para reverter à composição genética da população de Jersey da Ilha pré-importação, se desejado.

Atualmente, dois em cada três bezerros nascidos em Jersey são filhos de touros internacionais. Alguns dos fazendeiros locais estão, no entanto, mantendo seus rebanhos fechados. Provavelmente, eles usarão genética internacional com o tempo, pois o monitoramento da nova geração de animais – com genética internacional – mostrou melhoria na produção de leite, conformação e características de saúde.

Linha do tempo da raça Jersey na sua Ilha natal

1763 – Legislação introduzida na Ilha de Jersey impedindo a importação de gado para proteger o mercado local de produtos agropecuários e impedir a importação de doenças garantiu a evolução da raça Jersey.

1833 – Fundação da Royal Jersey Agricultural and Horticultural Society (RJA&HS).

1834 – Realização da primeira exposição de gado em Jersey, organizada pela RJA&HS no Cattle Market, na cidade de Saint Helier e criação de uma "Escala de Pontos" para ser usada nos julgamentos do gado na Ilha de Jersey.

1850 – As exportações tornam-se uma importante fonte de renda para os produtores na Ilha, com a raça Jersey sendo exportada para muitos países ao redor do mundo.

1866 – Estabelecimento do Jersey Herd Book (JHB) como um livro de registro dos animais da Ilha. Este é o início formal dos acasalamentos baseados em pedigrees e do sistemático melhoramento da raça. A ancestralidade de todos os animais Jersey registrados do mundo pode ser rastreada até o JHB na sua ilha natal.

1882 – A vaca "Khedive’s Primrose" foi vendida para os Estados Unidos pelo incrível quantia de £ 1.000, o que naquela época teria sido suficiente para comprar uma fazenda, uma casa e edifícios de tamanho médio. 

1912 – Introdução de um sistema de registo do peso do leite produzido por cada vaca, de forma individual, o qual foi o precursor do sistema de controle leiteiro utilizado até hoje em todo o mundo.

1919 – Sybil’s Gamboge, um touro criado na Ilha, foi vendido por U$ 65.000,00 (equivalentes a U$ 1,1 milhão atualmente). Esse preço foi o recorde mundial para um touro Jersey e se manteve até 1966, quando o touro Marlu Milad foi vendido para a ABS por U$ 70.000,00.

1930 – Na Ilha de Jersey, havia mais de 12 mil cabeças de gado em 1.808 propriedades. No início dos anos 2000, esse número foi reduzido drasticamente para apenas 20 fazendas que criam gado Jersey na Ilha.

1940 – A Ilha de Jersey foi ocupada, durante a 2ª Guerra Mundial, o que trouxe muitos desafios à agropecuária local.

1951 – É fundado o World Jersey Cattle Bureau, organização que representa os criadores de Jersey e suas associações em âmbito mundial.

1954 – A cooperativa de produtores (Jersey Milk Marketing Board) foi criada por uma lei aprovada na Ilha de Jersey.

1968 – É instalado o Centro de Inseminação Artificial na Ilha.

1978 – Sua Majestade a Rainha Elizabeth II foi presenteada com uma vaca da Ilha para adicionar ao seu famoso rebanho de Windsor.

2001 – Inauguração das esculturas de bronze de um grupo de animais Jersey em tamanho natural (La Vaque dé Jèrri), em uma praça em Saint Helier.

2008 – Alteração da legislação de modo a permitir a importação de material genético para a Ilha de Jersey, possibilitando a introdução de reprodutores internacionais pela primeira vez em mais de 200 anos.

A raça ganhou o mundo

Atualmente, o gado Jersey é encontrado em pelo menos 82 países ao redor do mundo, demonstrando sua adaptabilidade a uma ampla variedade de condições climáticas e geográficas. A raça tem uma estrutura corporal relativamente pequena, com peso médio de 410 kg, e produz mais leite por unidade de peso corporal do que qualquer raça leiteira (Oklahoma State University Board of Regents, 2008).

Por suas qualidades únicas, este gado fantástico é um grande diferencial para qualquer sistema de produção e industrialização de leite no planeta!

 

Confira a entrevista com Andrew Le Gallais - Presidente da Cooperativa de Produtores de Leite da Ilha de Jersey:

Produção de leite na Ilha de Jersey

 

Notas:

1 – Para Derrick Frigot, ex presidente do World Jersey Cattle Bureau, a introdução do Jersey Herd Book foi singularmente o ato mais importante para registrar e validar a raça Jersey no mundo.

2 – No Brasil, o Jersey chegou em 1895, pelas mãos de Joaquim Francisco de Assis Brasil, influente advogado e político gaúcho, que comprou os primeiros animais diretamente do rebanho da rainha da Inglaterra.

 

Referências:

  • Pionners of the Jersey Breed - The Jersey Herd Book (Derrick Frigot)
  • The Dairy Queen - A History of the Jersey Breed Worldwide (Derrick Frigot & Hans Norgaard)
  • A Genetic Investigation of Island Jersey Cattle, the Foundation of the Jersey Breed: Comparing Population Structure and Selection to Guernsey, Holstein, and United States Jersey Cattle
  • Breeds of Livestock; Oklahoma State University Board of Regents (2008)
  • Dairy cattle breeds; University of Florida Press (1973)

 

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*Marcelo de Paula Xavier, formado em Administração de Empresas pela Universidade Estadual de Ponta Grossa, com Mestrado em Agronegócios pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Foi presidente da Associação de Criadores de Gado Jersey do Brasil por 2 mandatos consecutivos e atualmente é editor do Canal do Leite.

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