Mesmo com leite valorizado, cenário é de dificuldades para os produtores

Mesmo com leite valorizado, cenário é de dificuldades para os produtores

10 de abril, 2022

O cenário para o setor de lácteos no Brasil está mais desafiador atualmente do que no início da pandemia de Covid-19, há dois anos, avalia Natália Grigol, pesquisadora do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea-Esalq/USP). Segundo ela, a cadeia produtiva do leite passa por uma fase complicada, influenciada por custos de produção elevados, dificuldade de repasse de preços para o consumidor e demanda reduzida. Nem mesmo com o preço do litro do leite pago ao produtor batendo recordes, a situação fica melhor para o pecuarista.

Em março de 2021, ainda em meio à pandemia, o Brasil tinha um cenário menos crítico. Houve, inclusive, injeção de dinheiro na economia, com o pagamento do auxílio emergencial. “Tínhamos maneiras de assegurar o consumo de lácteos pela população, mas não é o que está acontecendo hoje”, diz ela. O Cepea observa uma dificuldade dos consumidores em absorver o efeito inflacionário no campo e a alta nos custos de produção. “Para complementar, há uma dificuldade ainda maior de entender como a gente vai fazer frente a esse movimento.”

A pesquisadora destaca que os produtos lácteos têm seu consumo diretamente ligado à renda da população. Se ela varia positivamente, há um aumento na demanda, mas se há um efeito negativo, o mesmo acontece com o consumo. “A renda do consumidor brasileiro tem sido depreciada ao longo dos últimos anos, ao mesmo tempo que há um movimento inflacionário nos custos de produção do campo por causa do encarecimento dos insumos produtivos.” Para ela, é um momento muito complicado e o setor, como um todo, está reagindo a esse alto custo de produção. “Estamos vendo uma movimentação muito forte da cadeia para tentar fazer esse repasse de preços para a ponta compradora.”

Nas duas últimas semanas de março, a pesquisadora observou movimentos importantes no mercado de derivados lácteos. “Não estamos nem falando do preço que chegou à prateleira, eu falo de um preço anterior.” O leite longa vida (UHT) negociado entre as indústrias do país, que mandaram o produto para os canais de distribuição em São Paulo, maior centro consumidor, se valorizou 12,3% para as indústrias nos últimos 15 dias do mês passado.

Preço recorde ao produtor

Os preços pagos aos produtores de leite estão atingindo recordes, mas – ainda assim – a situação do setor é complicada, pois as cotações não cobrem os custos da produção no Brasil. O principal motivo é o aumento dos valores da soja e do milho, que fazem a ração concentrada ficar bem mais cara.

Segundo Natália, o produto chega com um preço maior para o consumidor, já que – além dos custos de produção e distribuição – há o custo dos combustíveis que também disparou. “Se o preço do leite chegar à prateleira próximo aos R$ 5 o litro, começamos a ouvir, dos agentes de mercado, que o consumo começa a ficar mais estagnado”, explica. Ela aponta, inclusive, que a formação de estoques dos produtos começa a se elevar neste momento.

“Se o consumo não reagir poderemos observar o ‘voo de galinha’, movimentos de preços que não se sustentam. Duram, se muito, um mês. Depois disso, há sinais de dificuldade do consumidor em pagar pelo preço cobrado, o que acaba aumentando a volatilidade das cotações”, avalia. A pesquisadora assinala que esse movimento dificulta o planejamento dos agentes econômicos para fazer investimentos e planejamentos.

Natália lembra, ainda, que a decisão do governo federal de zerar a tarifa para importação de queijo mussarela deixa a situação ainda mais conturbada para o setor. “A queda no dólar vai tornar mais barata a importação de derivados lácteos. Como perspectiva, o setor começa a se preocupar com importação, pois não temos uma produção autossuficiente.” Ela lembra que sempre que há déficit na produção brasileira, ela precisa ser compensada com as importações. “Nos últimos anos, a importação caiu muito porque tínhamos uma situação de dólar valorizado, o que causava encarecimento dos produtos, mas, agora, a gente teve uma valorização do real.”

Na avaliação da Associação Brasileira dos Produtores de Leite (Abraleite), a medida anunciada pelo Ministério da Economia no dia 21 de março prejudica o setor leiteiro. O produto foi incluso na Lista de Exceções à Tarifa Externa Comum (TEC) do Mercosul até 31 de dezembro de 2022, estendendo a todos os demais países o benefício fiscal já concedido aos integrantes do bloco.

O presidente da Abraleite, Geraldo Borges, afirma que a medida é “totalmente errada”, pois não vai interferir no aumento da inflação para a população. “Se levada à frente, trará muitos danos ao setor agropecuário, principalmente à cadeia produtiva do leite nacional, que emprega milhões de pessoas no campo e nas cidades e que vem passando por graves problemas de alto custo com insumos, tendo tido aumentos muito superiores ao produto leite e seus derivados nesse período de pandemia e guerra (no Leste Europeu).” 

Perspectivas para 2022

Quanto às perspectivas para o próximo trimestre de 2022, o diretor executivo da Associação da Indústria de Lácteos (Viva Lácteos), Gustavo Beduschi, pontua que a demanda ainda é incerta, já que depende, inevitavelmente, da renda da população brasileira. “É um ano de eleição, o que gera bastante incerteza quanto à economia. Hoje, a tendência é de que as margens do setor fiquem apertadas.”

Natália Grigol afirma afirma que o setor começa a entrar na entressafra de produção, quando se é esperada uma alta nos preços. “O problema é que esses preços já estão num patamar muito elevado.” Durante a entressafra, altas consecutivas são esperadas, com o pico de preços acontecendo entre julho e agosto, observa.

“A gente ainda está em março e o preço já ultrapassa o patamar de preço do campo e chega num nível que desestimula o consumo na ponta final da cadeia.” Para ela, os preços dos produtos lácteos devem ter, ainda, alguns meses de valorização. “Agora, a intensidade é muito difícil de prever. A capacidade da demanda está em xeque.”

 

Fonte: Agro em Dia

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