Victor Breno Pedrosa


Zootecnista, Prof. Dr. de Melhoramento Animal e Estatística

vbpedrosa@uepg.br

PUBLICAÇÕES

A genética pode influenciar a produção do leite A2/A2?

20 de julho, 2019

Autor: Dr. Victor Breno Pedrosa*

 

Cada vez mais comentado, o leite A2 virou uma tendência mundial nos últimos anos. A principal diferença entre o leite “comum” e o leite A2 está na proteína deste nutritivo produto. Para facilitar o entendimento, é importante primeiro saber qual o conteúdo do leite. Basicamente, o leite é composto de água e sólidos, dos quais podemos citar essencialmente em sua composição, a lactose, minerais, gordura e proteína. Destaca-se entre as seis proteínas do leite a beta-caseína, a qual apresenta-se em dois formatos: A1 e A2, e é justamente daí que se diferenciam o leite “comum” e o leite A2.

A maioria do leite proveniente dos rebanhos de vacas, disponível para venda, contém uma combinação dessas proteínas (beta-caseína) A1 e A2. No entanto, o foco recente tem se voltado especialmente para o leite com conteúdo exclusivo de beta-caseína do tipo A2. Tal fato pode ser atribuído principalmente aos benefícios relacionados a saúde humana que a beta-caseína do tipo A2 pode proporcionar. Neste quesito, o leite A2 está associado a uma maior digestibilidade do produto, neutralizando o problema de intolerância a beta-caseína do tipo A1, existente em alguns indivíduos. Esta intolerância pode estar vinculada ao processo evolutivo do ser humano, visto que há muitos anos não havia proteína do leite do tipo beta-caseína A1, ou seja, o organismo do homem estava preparado apenas para digerir a proteína do tipo A2.

Tradicionalmente, a constituição genética das vacas permitia a formação apenas da proteína beta-caseína A2/A2. Contudo, há cerca de 10 mil anos atrás, na Europa, houve uma mutação no DNA bovino, fazendo com que uma nova formatação do gene aparecesse, sendo esta, hoje, conhecida como “A1”. De lá para cá, as vacas leiteiras produzem uma combinação de proteínas A1 e A2, criando um tipo de leite que é relativamente novo para o corpo humano e que, como comentado anteriormente, resultou em intolerância para algumas pessoas, devido a digestibilidade. Embora os reais benefícios para a saúde humana ainda estejam sendo debatidos na indústria, o leite contendo apenas a proteína A2 está sendo vendido há algum tempo nos mercados dos EUA, Canadá, Nova Zelândia, Austrália e mais recentemente no Brasil, com um preço superior ao leite padrão.

Rebanhos que possuem constituição genética favorável para produção de proteínas do leite que proporcionem maior retorno econômico, como a Kappa-Caseína e a beta-caseína do tipo A2, estão aumentando consideravelmente no mundo, e os animais que apresentem estes componentes tem sido cada dia mais procurados e selecionados. Atualmente, o número de touros com sêmen disponível no mercado e que sejam detentores de constituição genética do tipo A2/A2 está aumentando e estes são mais valorizados. O mesmo já pode ser observado nas fêmeas, visto que após o advento dos testes genômicos (e estes estão cada dia mais presentes nas fêmeas), a identificação de vacas e novilhas (ou mesmo bezerras) que apresentem genótipo do tipo A2/A2 ficou muito mais fácil e confiável. Com isso, a pressão de seleção para formação de animais de constituição A2/A2 passou a ser intensa. Abaixo, é possível observar como podem ser direcionados acasalamentos para formação de animais com genótipo A2/A2, não importando se o alelo (A1 ou A2) é de origem paterna ou materna:

Pela origem da mutação do tipo A1 ter ocorrido na Europa, as raças europeias tem tendência evolutiva natural do aparecimento da variante A1 para beta-caseína em sua constituinte genética, fato que não ocorre nas raças leiteiras zebuínas, por exemplo, devido sua formação evolutiva distante. Um estudo realizado pelo Canadian Dairy Network (Canadá), no final do ano de 2016, demonstrou as diferentes proporcionalidades das variantes A1 e A2 presentes em algumas das principais raças europeias, a saber:

 

Raça

A2A2

A1A2

A1A1

N° de animais avaliados

Holandesa

35%

49%

16%

4603

Ayrshire

23%

48%

29%

287

Jersey

65%

32%

3%

752

Pardo-Suiço

57%

38%

5%

107

Guernsey

53%

19%

28%

145

                          (https://www.cdn.ca/document.php?id=461)

 

Cabe ressaltar que os valores acima representam a população avaliada em questão, sendo apenas uma amostragem das referidas raças. Com o processo intenso de seleção atual, principalmente após a era genômica, a tendência é que haja aumento significativo de animais do tipo A2/A2 em todas as raças leiteiras e, por consequência, mais e mais gerações de animais com capacidade de produzir leite A2. Este processo de seleção está nas mãos do criador, tanto no momento da escolha do touro, quando na seleção de fêmeas A2/A2, e o mercado mundial tem se direcionado desta maneira. Nos encontramos na próxima edição da coluna de melhoramento genético aqui do Canal do Leite. Um grande abraço.

 

*Victor Breno Pedrosa - Professor Doutor na Universidade Estadual de Ponta Grossa. Possui graduação em Zootecnia, e Mestrado pela USP (Universidade de São Paulo). Tem especialização em Animal Genomics pela University of Guelph (Canadá) e Doutorado em Zootecnia pela USP (Universidade de São Paulo) e pelo Institut für Nutztiergenetik (Alemanha). É coordenador do LeMA - Laboratório de estudos em Melhoramento Animal.

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