Os componentes do preço do leite no Brasil
12 de setembro, 2023
Escrito por André Rozember Peixoto Simões, Zootecnista, Doutor em Economia Aplicada. Professor na Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul - UEMS.
Quem acompanha o mercado lácteo no Brasil sabe que a formação e o comportamento do preço do leite pago ao produtor é um assunto complexo. Neste artigo irei falar sobre um estudo que fiz sobre como analisar o preço do leite pago ao produtor no Brasil ao longo do tempo. O artigo científico original publicado na Revista Brasileira de Zootecnia pode ser lido aqui.
É importante ressaltar que a análise seguiu procedimentos estatísticos rigorosos e não tem nenhum viés mercadológico, ou seja, não foi feito nenhum julgamento se o preço está alto ou baixo para produtores ou para indústrias.
O objetivo do estudo foi avaliar o comportamento do preço pago aos produtores olhando para os componentes de tendência, sazonalidade e ciclos. Além disso, testamos a importância de outras variáveis como o preço da ração, preços internacionais, importações e exportações.
Os preços do leite pago aos produtores foram os fornecidos pelo CEPEA no período de janeiro de 2005 a dezembro de 2021. Os valores de ração foram formados pela composição de milho (60%) e soja (40%) com base nos valores obtidos na Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Paraná. As quantidades exportadas e importadas foram obtidas da base de dados do Centro de Inteligência do leite da EMBRAPA e os preços internacionais baseados nos valores da União Europeia e Oceania.
Na primeira parte da Figura 1 podemos observar o preço real (deflacionado) do leite pago aos produtores e logo abaixo os seus principais componentes: tendência, sazonalidade e o erro aleatório.
Figura 1. Preço do leite pago aos produtores no Brasil e os componentes tendência, sazonalidade e erro aleatório no período de janeiro de 2005 a dezembro de 2019.
A tendência indica a direção em que o preço está se movendo ao longo do tempo. Pode-se observar que, ao longo dos anos, o preço real do leite está uma tendência de alta.
O componente sazonalidade indica a variação de preço dentro do período de um ano e está muito correlacionado com as condições climáticas, oferta de alimento volumoso e consequentemente com a produção no Brasil.
O componente de erro aleatório pode ser entendido como o efeito de variáveis que não são captadas pelo modelo, mas que afetam o preço do leite. Podemos observar na última parte da Figura 1 que, após 2015, o efeito de variáveis não pertencentes a cadeia do leite fez com que o componente aleatório aumentasse a sua variação em relação ao período anterior.
Para exemplificar como o erro afeta o preço, podemos citar alguns eventos históricos, tais como: a crise política e econômica de 2015/16, a greve de caminhoneiros ocorrida em 2018, a pandemia de Covid19 em 2020 e o aumento de preço das commodities em virtude da guerra entre a Rússia e Ucrânia iniciada em 2022. Tudo isso fez com que o preço do leite aumentasse sua volatilidade nos últimos anos.
Outro resultado muito importante foi a identificação de um ciclo de 30 meses na série de preço. Os ciclos são oscilações de longo prazo que tendem a se repetir e geralmente são de difícil identificação. Neste caso, o ciclo observado pode estar correlacionado com as decisões dos produtores em descartar ou reter mais vacas nas fazendas e com o tempo necessário para cumprir o ciclo reprodutivo. Na Figura 2 podemos observar o padrão de longo prazo do ciclo e a amplitude que ele pode atingir, que nesse caso foi de até R$0.30 por litro entre os cinco modelos testados.
Figura 2. Componente cíclico do preço do leite pago aos produtores no período de janeiro de 2005 a dezembro de 2019.
O preço da ração apesar de ter sido estatisticamente relevante, seu impacto na formação dos preços do leite pago ao produtor é bem reduzido pois seu efeito é indireto sobre o equilíbrio da oferta e demanda do mercado.
Finalmente, e não menos importante, o efeito das importações e exportações sobre os preços pagos aos produtores no Brasil. As análises indicam que os preços internos são muito mais afetados pelos valores praticados no mercado internacional do que efetivamente pelos volumes importados. Isso nos faz pensar que o mercado nacional de lácteos, apesar de ter um pequeno volume importado e exportado, sofre influência das informações sobre as cotações internacionais do leite.
Podemos concluir então, que a compreensão dos componentes estruturais (tendência, sazonalidade, ciclos e erro aleatório) e o acompanhamento dos eventos externos à cadeia são fundamentais para a construção de um raciocínio lógico sobre o comportamento do preço.
Em termos práticos, posso dizer que os modelos matemáticos podem ser muito úteis para auxiliar na formulação de políticas públicas e para a realização de previsões do preço do leite no Brasil.
Fonte: Milkpoint