Importação predatória de leite

Importação predatória de leite

29 de agosto, 2023

Escrito por Paulo do Carmo Martins*

 

O Ministério do Desenvolvimento Agrário trouxe o Governo para o centro do problema das importações, atendendo a demanda das entidades que representam os produtores de leite, ou seja, ABRALEITE, Organização das Cooperativas do Brasil – OCB, e Confederação Nacional da Agricultura - CNA. O ministro Paulo Teixeira colocou órgãos do Governo para subsidiar a definição de medidas que estão sendo tomadas para segurar a importação de lácteos, juntamente com o MAPA e MDIC. Esta atitude de transformar o assunto em questão governamental ocorre num momento crucial para o setor.

Não faz sentido o volume de leite que está entrando no Brasil. Tem até frigorifico importando queijo muçarela. Tem laticínio trazendo queijo de fora, atuando como trader, ou seja, agindo como se fosse comerciante. Tem produtor familiar recebendo pelo litro de leite menos que o preço do leite importado que chega no atacado.

Das principais cadeias produtivas de alimentos, o leite é a única que o Brasil tem problemas de competitividade. Nos últimos cinquenta anos a produção brasileira cresceu em 4,5 vezes, puxada pelo consumo, que cresceu puxado pelo aumento da população e pela melhoria da renda. Isso tem colocado o Brasil sempre entre o terceiro e quarto maior produtor de leite do mundo. Mas, o fato é que ainda somos tradicionais importadores de leite. Nestes cinquenta anos, somente num curto período, entre 2004 e 2008, exportamos mais que importamos.

Há motivos gerados no ambiente internacional para esta posição estrutural. No caso do milho e soja, os países precisam importá-los para viabilizarem a produção interna da avicultura, suinocultura, pecuárias de corte e de leite. Não há barreiras comerciais à compra de grãos. Nas principais cadeias produtivas, o mundo quer comprar do Brasil e isso estimula a produção para exportação. Mas, no caso do leite, os países interferem no mercado, buscando assegurar competitividade de suas cadeias produtivas, e minimizam as importações para atender somente as necessidades de abastecimento. Portanto, nunca houve estimulo para o Brasil ser exportador, como ocorreu nas demais cadeias alimentares importantes.

No mercado interno, a política econômica discriminou contra o leite nos anos oitenta, por meio do tabelamento de preços ao produtor, com o propósito de combater a inflação. Os reajustes autorizados pelo governo eram insuficientes para manter a rentabilidade do setor, transferindo renda do produtor para o consumidor, por meio de preços que eram reajustados aquém do necessário. Isso inviabilizou investimentos em tecnologia, que somente ocorreu a partir dos anos noventa.

Nos últimos cinquenta anos, em somente dois momentos o Brasil importou mais de dez por cento do consumo, como ocorre agora. Nos dois casos foram durante a adoção de planos de estabilização econômica, visando combater a Inflação: planos Cruzado e Real. Em 1986, com a implantação do Plano Cruzado houve congelamento dos preços pagos ao produtor em baixa, revogando a anunciada a elevação de preços ao produtor em 100%. Era época de tabelamento, num tempo de inflação elevadíssima. Sem terem obtido o aumento de preços previsto, os produtores ficaram desestimulados. O resultado é que faltou leite e a importação disparou.

O lado bom daquela crise foi que o governo decidiu adotar critérios claros de reajustes de preços, a partir daí. O saudoso professor Sebastião Teixeira Gomes e eu fomos autores de um estudo que se transformou em um decreto do MAPA, com aval do então ministro Dilson Funaro, que definiu a metodologia de reajustes do preço do leite tabelado. Isso protegeu a rentabilidade do produtor de leite.

Outro momento foi a partir do segundo semestre de 1994, com a implantação do Plano Real. Com a queda da inflação, o poder de compra do salário cresceu e houve estímulo ao crescimento do consumo. A demanda cresceu exponencialmente e forçou a importação para estabilizar o abastecimento interno. Porém, entre 1996 e 2001, o mercado se desestruturou, com o leite europeu entrando via o Mercosul. Era a época de preços de produtos lácteos a aviltados por subsídios europeus, graças às benesses da PAC - Política Agrícola Comum. A situação no mercado brasileiro somente se normalizou com a entrada do governo no assunto.

Pois, voltamos novamente a uma situação de descontrole. É natural a importação para estabilizar preços e garantir o abastecimento. Afinal, a maior parte dos consumidores de leite é pobre. Mas, não é admissível a importação especulativa, que fragiliza uma cadeia produtiva, importante para interiorizar a geração de emprego e renda. Como explicar que dez por cento do consumo de leite seja de leite importado, se não há desabastecimento? Como justificar que dez por cento do importado defina o preço de cem por cento do leite brasileiro? Que motivação tem um laticínio para investir na fidelização dos seus produtores, visando melhorar qualidade e produtividade, se o seu concorrente compra leite em volume espetacular lá fora? Em 2019, o então ministro Paulo Guedes não renovou as salvaguardas que mantinha no âmbito do Mercosul. Elas fazem falta, agora.

Em todo o mundo, Leite é assunto de Estado! Se apoiamos setores como a indústria automobilística, por quê não cuidar emergencialmente de um setor que tem apelo econômico, social e cultural, como a cadeia produtiva do leite brasileiro?

 

*Paulo do Carmo Martins é economista, pesquisador da Embrapa e Professor da FACC/UFJF.

 

Fonte: Revista Balde Branco

 

 

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