Austrália: Produção de leite e formação de preços

Austrália: Produção de leite e formação de preços

02 de outubro, 2023

Não há dúvidas de que produzir leite no Brasil é um grande desafio. Importações, falta de garantias, falta de visão de futuro, inexistência de ferramentas de proteção de preço, entre outros, são fatores recorrentes e que testam a resiliência de uma atividade que exige investimentos a longo prazo e muito planejamento.

O mercado brasileiro é desafiador e único: poucos países têm as características que temos aqui. Uma possível exceção é a Austrália: não possui regulamentação de preço ou subsídios, há concorrência entre as indústrias e as cooperativas, que muitas vezes agem como uma camada de proteção aos produtores onde captam o grosso do leite, não dominam a captação. 

O que podemos aprender com a formação de preços na Austrália?

A Austrália, país com 26 milhões de habitantes e o quinto IDH (índice de Desenvolvimento Humano) do mundo, consome 233 litros de leite-equivalente por pessoa ao ano, tem 1,3 milhão de vacas em 4.420 fazendas, as quais produzem mais de 8 bilhões de litros anualmente (36% deste volume é exportado). O clima tem desafios como a produção de volumoso e o conforto, pois a maior parte do território é extremamente seco e quente, à semelhança de parte da região nordeste brasileira.

As dificuldades climáticas são um aspecto importante para explicar o declínio na produção australiana, quando se analisa um período mais longo.Produção de leite na Autrália 

A maior parte do leite é produzido no sul do país (região de Victoria e Tasmânia), em sistema de pastejo, embora nos últimos 10 anos tenha havido um crescimento importante do uso de trigo, silagem de milho e canola, entre outros. Isto vem gerando aumento da produtividade, uma tendência mundial de menos vacas e mais leite, também experienciada no Brasil.

Como se pode ver no gráfico 2, o clima é desértico em boa parte do ano, com precipitação total anual menor que 600mm, o que sugere o uso de irrigação na maior parte das fazendas.

Em relação ao negócio leite, segundo o relatório do Australian Bureau of Agricultural and Resource Economics (ABARES), as fazendas têm faturamento médio anual em torno de 241 mil dólares (AUS$ 361.000,00). Nas maiores fazendas do país, a renda anual é de 780 mil dólares (AUS$ 1,17 milhão), com rentabilidade ao redor de 7%. Estas grandes fazendas respondem por praticamente metade do leite produzido na Austrália. Como referência, as piores fazendas neste levantamento contam com -0,9% de rentabilidade.

É importante ressaltar que, apesar de certa heterogeneidade, a produção é bem mais concentrada e uniforme do que no Brasil, o que implica inclusive na organização e na coordenação da cadeia.

Como o produtor vende o leite na Austrália

Scott Briggs, diretor na National Milk em Melbourne, explica que a grande maioria dos produtores australianos faz contrato com apenas um comprador a cada ano – geralmente em junho/julho – quando o preço é fixado, podendo ser mais baixo na safra e mais alto na entressafra.

Há, também, contratos para até 3 anos. A precificação é geralmente por gordura e proteína e não por volume. Existe ainda um bônus ou desconto em relação a qualidade, lealdade (anos de fornecimento ao mesmo comprador) e tamanho do produtor, entre outros quesitos. Leite excedente na entressafra também pode ser bonificado.

Briggs explica que o valor em contrato anual não pode cair, salvo em situações muito excepcionais, pois há um Código de Conduta que entrou em vigor há cerca de 3 anos, após a quebra da cooperativa Murray Goulburn (entenda um pouco do que aconteceu em Australian Food News).

A vantagem é que o produtor já sabe o preço para o próximo ano e pode investir na produção com mais certeza. A desvantagem é que se produtos como queijo, manteiga ou leite em pó perderem valor por alguma razão, a indústria pode enfrentar dificuldades (e até quebrar) e isso deixa o produtor mais vulnerável.

O sistema de contratos a preços definidos gera previsibilidade e reduz a volatilidade, mas não garante preços mais altos, na média. O gráfico 3 compara os preços em dólares por litro de leite no Brasil e na Austrália. Na média dos últimos 8 anos, o preço brasileiro ficou 8,3% maior: US$ 0,37 contra US$ 0,34 na Austrália.

Em geral, há de 20 a 30 empresas comprando leite em cada região produtora e cada uma pode customizar sua política de preços. Para Scott, garantir um preço mínimo interessante é a melhor forma de atrair a captação. O produtor não pode quebrar o contrato ao longo do ano, podendo inclusive ser processado por isso, sendo essa uma diferença grande dos contratos brasileiros, que dificilmente acabarão numa disputa judicial. Vale lembrar que a tolerância para índices de CCS por exemplo são bem diferentes do Brasil, ficando em torno de 250.000 cel/ml como limite usual.

Ele relata que, historicamente, a Austrália experienciou uma importante inflação de produtos lácteos, porém a demanda não caiu proporcionalmente. Os varejistas vêm usando estratégias comerciais mais agressivas para incentivar as vendas. O consumidor é relativamente consciente sobre o que consome e prefere apoiar produtos “Made in Australia”. A indústria se utiliza muito desse apelo da produção local com a massa consumidora. A indústria tem entidades como a Dairy Australia, que procura atuar em várias áreas relevantes para o futuro da atividade.

O país se posiciona como um mercado livre, então é possível importar da Nova Zelândia (país bem próximo) e dos Estados Unidos, porém há algumas barreiras como importação de queijos europeus que são grandemente taxados. Hoje cerca de 2% do leite australiano vem de fora.

Um último ponto é que na Austrália há uma taxação sobre a produção denominada Levy system que capta um percentual não apenas de produtores de leite, mas de vários tipos de atividades com a intenção de investir em pesquisas e levantamento de dados importantes para os setores de produção primária, além de marketing, biosseguridade e outros. Todos são obrigados a participar dessa contribuição.

Finalmente, Scott ressalta que é muito importante desenvolver outras regiões e não confiar totalmente no consumo interno de um país. De forma geral, é possível notar que o sistema australiano tem seus prós e contras, seus desafios e oportunidades que podem servir de alerta e ideias para o desenvolvimento da pecuária brasileira.

 

 

Fonte: MilkPoint

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