Contrassenso brasileiro: Na terra do pasto, sonhamos com confinamentos
23 de julho, 2025
A Nova Zelândia conquistou protagonismo global na produção de leite ao desenvolver um modelo baseado no uso eficiente do pasto. Com produtividade elevada e custos operacionais reduzidos, o país consolidou uma pecuária leiteira sustentável e competitiva. No Brasil, apesar de contarmos com clima favorável, extensão territorial ampla e forte vocação para a produção a pasto, parece que estamos cada vez mais inclinados a copiar modelos dos Estados Unidos e da Europa.
É inegável que a maioria das fazendas brasileiras ainda baseia sua produção no pasto. No entanto, basta perguntar a um produtor qual modelo ele adotaria se tivesse recursos ilimitados. Ou ainda: qual sistema considera ideal? A resposta, quase sempre, é a mesma.
Nove em cada dez produtores sonham com vacas com produtividade de 40 litros ou mais, alojadas em grandes galpões climatizados, alimentadas por sistemas robotizados. Se fizermos essa mesma pergunta a técnicos e consultores, a proporção provavelmente será semelhante. Mas e o pasto? E o potencial que temos em mãos? E os animais adaptados ao nosso clima tropical? E a rentabilidade, que deveria ser o norte de qualquer sistema produtivo?
Ração como estratégia
Não se trata de ser contra o uso de ração. Trata-se de não desperdiçar pasto. Mesmo nas propriedades mais tecnificadas, a eficiência de pastejo no Brasil ainda é baixa. A ração deve ser uma aliada estratégica e não uma compensação por falhas no manejo do pasto.
Sabemos como manejar o pastejo. Temos conhecimento sobre correção de solo, escolha de forrageiras, suplementação e nutrição animal. Sabemos a hora certa de entrar e sair dos piquetes. Mas ainda enfrentamos um desafio básico: fazer o rebanho comer onde é necessário – e não onde ele quer. Se temos pastos rapados ou passados, é sinal de que quem está no comando não é o gestor, mas os animais.
Quantas fazendas realmente apresentam alta eficiência de pastejo no Brasil? Por que ainda é tão difícil?
Recorrer a dietas caras de forma sistemática reduz a margem, aumenta o risco e expõe o produtor à volatilidade do mercado. Precisamos evitar a concentração da produção em poucos sistemas caros e inacessíveis. Precisamos, sobretudo, ensinar os produtores a serem eficientes com custos baixos - e a usar a suplementação com inteligência.
O básico que falta
Nos Estados Unidos, o confinamento é praticamente a única opção. Na Nova Zelândia, o pasto é soberano. No Brasil, podemos – e devemos – tirar o melhor dos dois mundos. Temos tudo para construir um modelo híbrido, acessível, sustentável e rentável. Mas esbarramos, muitas vezes, em algo básico: a falta de conhecimento sobre cerca elétrica.
Questões simples – como a voltagem mínima necessária no fio, a potência adequada do eletrificador, o dimensionamento conforme o tipo de solo, o sistema de aterramento, ou mesmo como proteger a cerca contra raios – ainda são pouco dominadas, inclusive por técnicos. Na Nova Zelândia, esses conceitos fazem parte da formação básica em ciências agrárias. Aqui, seguem como lacunas técnicas que comprometem a adoção plena do pastejo intensivo.
A tecnologia, quando mal aplicada, vira problema. Quando bem dominada, vira solução.
O sistema de pastejo intensivo com suplementação estratégica é, sem dúvida, o modelo mais democrático da produção leiteira: acessível, tecnicamente viável, economicamente sustentável. Confinamentos também têm seu lugar, mas são caros, arriscados e dependentes de margens altas para se manterem viáveis. E em tempos de leite barato ou de concorrência com o produto importado, os sistemas de alto custo simplesmente não se sustentam.
Não podemos controlar o mercado ou a política. Mas podemos e devemos controlar nossos custos de produção. No fim das contas, o melhor modelo de produção será sempre aquele que gera mais lucro.
Fonte: Revista Leite Integral