Tempos turbulentos para o setor de laticínios na Ásia Central

Tempos turbulentos para o setor de laticínios na Ásia Central

22 de janeiro, 2023

O Uzbequistão é o maior produtor de leite da Ásia Central, com cerca de 10 milhões de toneladas de leite processadas no ano passado, conforme dados estatísticos oficiais. Em seguida, vem Cazaquistão com 3,92 milhões de toneladas, Quirguistão com 1,7 milhão de toneladas e Tadjiquistão com cerca de 1,1 milhão de toneladas. O Turcomenistão não compartilha dados consistentes sobre a produção de leite, mas acredita-se que tenha a menor produção da região.

Nos últimos anos, os governos da Ásia Central se esforçaram muito para estabelecer novas capacidades de processamento, de modo a atender a demanda local por queijo, manteiga e outros produtos. No entanto, o setor de laticínios foi testado em todos os níveis, desde a produção de ração até a embalagem dos produtos finais.

Denic Dyo, diretor geral da fábrica de laticínios da cidade de Telekisky (no Cazaquistão), disse que nunca viu um aumento nos custos semelhante ao que suas operações encontraram em 2022. Ele estimou, por exemplo, que os preços das embalagens aumentaram surpreendentes 135% desde janeiro.

Essa alta de preços é uma das consequências da invasão da Ucrânia pela Rússia. Ao longo dos anos, os laticínios do Cazaquistão contaram com a importação de embalagens de seu vizinho do norte. No entanto, sanções impostas pelos países ocidentais contra a economia russa desencadearam um êxodo em massa de empresas europeias de embalagens do país, deixando não apenas o mercado doméstico, mas também o mercado cazaque em falta.

Cazaquistão

Como todos os países da Ásia Central, o Cazaquistão aplica a regulamentação de preços no mercado doméstico de lácteos, a fim de controlar a inflação de alimentos. Em troca, as fábricas de laticínios pedem ao governo que aprove subsídios estatais aos produtos lácteos.

“Estamos pedindo esses subsídios há 3 anos. Se o governo restringe nossos preços, deve nos ajudar”, disse Dyo.

Os custos de produção aumentaram em geral, embora o aumento tenha sido moderado este ano em outros campos. Desde o início do ano, o Cazaquistão registrou um aumento de 20% nos preços da eletricidade e de 22% nos preços do leite cru. O governo do Cazaquistão subsidia a produção de leite cru para encorajar os fazendeiros a continuar as operações. Ainda assim, as empresas de laticínios reclamam que também precisam de ajuda estatal.

“O setor de laticínios do Cazaquistão, que ainda não se recuperou das consequências da pandemia e da crise econômica global, enfrenta um futuro cada vez mais sombrio e incerto”, disse Vladimir Kozhevnikov, diretor do sindicato de laticínios do Cazaquistão.

Uzbequistão

O Uzbequistão – a segunda maior economia da Ásia Central – enfrenta desafios semelhantes. Em outubro, o país foi atingido por uma escassez de leite embalado, segundo a agência de notícias estatal russa Ria Novosti. O problema levou alguns varejistas a limitar as vendas de produtos lácteos a 2-3 pacotes por cliente.

Sacos de um litro (barriga mole), que são os produtos lácteos mais populares entre os clientes uzbeques, quase desapareceram das prateleiras. Até certo ponto, o problema pode estar associado a uma queda na produção nas fazendas de leite uzbeques. No entanto, a principal razão para a escassez são as interrupções no fornecimento de material de embalagem da Rússia.

“Os produtores de lácteos costumavam comprar embalagens da filial russa da Tetra Pack, mas desde que esta empresa saiu da Rússia, o fornecimento das entregas foi interrompido”, disse uma fonte do setor de varejo local à Ria Novosti.

Atualmente, todos os países da Ásia Central estão trabalhando em novas rotas logísticas para obter embalagens diretamente na Europa e na China. No entanto, estabelecer novos laços comerciais leva tempo.

“Agora, a logística mudou; os suprimentos de embalagens da Tetra Pak passam por novos canais, inclusive da Europa, o que aumenta tanto o tempo de entrega quanto seu custo”, disse outra fonte à publicação estatal russa.

Dados estatísticos não confiáveis

Alguns analistas expressaram que, em países da Ásia Central, as estatísticas oficiais muitas vezes não correspondem à realidade.

Em novembro, o Dairy Intelligence Agency (think tank com sede em Moscou) informou que a autossuficiência do Cazaquistão em leite cru estava perto de 25%, em vez dos 70% estimados por agências governamentais. Os analistas descreveram a estimativa oficial como “ficção” destinada a tranquilizar o mercado e a população de que o Cazaquistão tinha um alto nível de autossuficiência em leite.

Acredita-se que esse problema seja típico em toda a região da CEI* em diferentes graus. Está associado a exageros na cadeia de suprimentos, comumente conhecidos como 'pripiski' na Rússia, que remonta aos tempos soviéticos.

Naquela época, as metas estabelecidas para os gestores estaduais eram muitas vezes irrealistas e eles usavam as formas 'pripiski' para evitar a responsabilidade de não cumprir o plano estadual. Numa fase posterior da existência da União Soviética, o ‘pripiski’ criou uma situação paradoxal em vários setores da economia. Na década de 1980, a União Soviética foi atingida por uma escassez de bens de consumo, resultando em prateleiras vazias de mantimentos. Ao mesmo tempo, os dados estatísticos mostraram que a União Soviética tinha bens de consumo suficientes.

Há sinais de que, não apenas no Cazaquistão, os números de produção declarados diferem da situação real. No primeiro semestre de 2022, o Uzbequistão processou 5,14 milhões de toneladas de leite, quase tanto quanto no mesmo período do ano anterior. No entanto, os laticínios reclamaram da escassez de leite cru.

Déficit de leite cru

Usmonbek Sharipov – diretor comercial da Tillo Domor, uma empresa privada de laticínios com sede na região de Khorezm (Uzbequistão) – disse à Rádio Ozodlik que a oferta de leite diminuiu significativamente na região nos últimos 3 meses.

“Como resultado [da escassez de leite], nossa fábrica não pode operar em plena capacidade. Não há leite. Isso afeta os preços dos produtos lácteos. Agora, juntamente com os nossos parceiros austríacos, estamos concluindo a construção de uma fábrica de processamento de leite com capacidade para 100 toneladas por dia. Mas, devido à situação atual, estamos considerando lançá-la com capacidade de 50 toneladas por dia”, disse Sharipov.

A escassez de leite pode se tornar um problema generalizado para o Uzbequistão, já que os fazendeiros estão abatendo suas vacas, desencorajados pelo aumento vertiginoso dos custos da alimentação.

“Já existem motivos para tais temores”, disse Muyassar Abdullayeva, diretor de uma fazenda leiteira em Khorezm, acrescentando que o preço do leite cru mais que dobrou desde meados de 2022. “Em junho, 1 litro de leite custava € 0,20. Agora, são € 0,49, conforme o teor de gordura. A razão é que, agora, manter as vacas é caro, porque os preços da alimentação aumentou. Devido a isso, muitas pessoas pararam de criar vacas. É por isso que há escassez de leite”, disse Abdullayeva.

Há relatos ocasionais de que produtores de leite no Quirguistão e no Tadjiquistão também enfrentam dificuldades, devido ao alto custo da alimentação dos animais. O Cazaquistão é um grande exportador de grãos e conseguiu conter a alta dos preços no seu mercado doméstico. Outros países da Ásia Central dependem da importação de grãos e não têm essa oportunidade.

Perspectivas de longo prazo parecem preocupantes

A turbulência no mercado global de commodities tem um alto custo para a Ásia Central. Diante da alta dos preços dos grãos, em junho de 2022, o presidente do Tajiquistão, Emomali Rahmon, convocou a população a estocar alimentos para os próximos 2 anos.

“Repito mais uma vez que este e o próximo ano serão os anos mais difíceis da história da humanidade e, sobretudo, em termos de garantia da segurança alimentar”, disse o presidente.

Para a Ásia Central, os problemas globais foram ainda mais complicados pela seca, que em algumas partes da região foi a pior dos últimos 13 anos. No Cazaquistão, as autoridades regionais relataram que 2.000 vacas morreram durante o verão, devido à falta de comida e água. Mortalidade de gado também ocorreu no Uzbequistão e no Quirguistão, o que poderia explicar os atuais problemas de abastecimento de leite cru.

Os produtores de lácteos da Ásia Central estão olhando para 2023 com grande preocupação. O agravamento da situação econômica, em toda a região, não promete nada de bom no que diz respeito às ajudas estatais e ao poder de compra da população. Ao mesmo tempo, a maioria das empresas espera que os custos de produção continuem subindo.

 

Notas:

* A Comunidade de Estados Independentes (CEI) é uma organização intergovernamental regional na Eurásia. Foi formado após a dissolução da União Soviética em 1991. Abrange uma área de 20.368.759 km2 e tem uma população estimada de 239.796.010.

 

Fonte: Dairy Global

Traduzido e adaptado pelo Canal do Leite

Disponível em: https://www.dairyglobal.net/industry-and-markets/market-trends/turbulent-times-for-dairy-industry-in-central-asia/?utm_source=Maileon&utm_medium=email&utm_campaign=DG_REG_2023-01-19&utm_content=https%3A%2F%2Fwww.dairyglobal.net%2Findustry-and-markets%2Fmarket-trends%2Fturbulent-times-for-dairy-industry-in-central-asia%2F&mlnt=d-obDA-2Tw0raZgzPC_tmCPwehr4OzVDsQYgjX4ZovMokscDNPeW0Q&mlnm=mq8SzsG0gMg&mlnl=-Ho84POeZfw&mlnc=o7beRoeU1xk&mlnch=JURwALg4P_jGuk4B_SJ33A&mlnmsg=qBzxCtsYoOEBw8VoRCzbew

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