O futuro da Raça Holandesa depende do equilíbrio entre genética, eficiência e bem-estar
06 de setembro, 2025
Escrito por Professor Rodrigo de Almeida (Universidadade Federal do Paraná)
Quando recebi o convite para escrever sobre a raça Holandesa para a Revista Leite Integral, imediatamente me lembrei de um artigo que publiquei há exatos 18 anos em um portal relacionado ao setor, com o mesmo tema. À época, o texto teve grande repercussão, com dezenas de comentários de assinantes. E confesso que foi com certo saudosismo que aceitei revisitar o assunto.
Apesar das mudanças que o setor leiteiro enfrentou nas últimas duas décadas, uma constatação permanece: a raça Holandesa continua sendo, disparadamente, a mais importante em produção de leite no mundo. Mesmo em um país tropical como o Brasil, essa raça é o grupamento racial mais impactante, não necessariamente em número de animais, mas certamente em volume de leite produzido.
O ano de 2025 tem sido particularmente favorável aos rebanhos leiteiros. Com temperaturas mais amenas e silagens de milho de excelente qualidade e produtividade, muitos rebanhos leiteiros brasileiros – quase que exclusivamente da raça Holandesa – estão alcançando altíssimas produções. A média de 45 kg/vaca/dia (ou 110 libras/vaca/dia, meta de rebanhos de alta produtividade nos Estados Unidos) tornou-se mais frequente; e há relatos de propriedades alcançando até impressionantes 60 kg/vaca/dia.
É indiscutível a superioridade das vacas holandesas na produção de altos volumes de leite, sobretudo em sistemas mais intensivos. Essa capacidade de grande produção de leite e de seus componentes faz com que a raça seja reconhecida hoje por sua alta lucratividade, especialmente em períodos de justa remuneração pelo litro de leite. Pesquisadores afirmam que o maior responsável por esse progresso fenotípico sem precedentes nos últimos 15 anos é a genética e, em particular, a disponibilidade das avaliações genômicas.
Por ser a raça bovina de maior produção de leite, esta tem sido a escolha preferencial em diversas regiões, tanto no Brasil quanto em outros países. No Brasil, além das regiões de clima mais ameno, onde a raça já é explorada há muitas décadas, destaca-se sua adoção em expansões e em novos projetos leiteiros no estado de Minas Gerais, maior produtor de leite do país, bem como no Nordeste, região brasileira que mais cresce em produção leiteira, em termos relativos. No Sul, onde estão os estados do Paraná, Rio Grande do Sul e Santa Catarina (respectivamente 2º, 3º e 4º maiores produtores nacionais), a raça holandesa é, de longe, a mais escolhida pelos produtores. A raça Jersey ocupa um distante (mas honroso!) 2º lugar.
Os pontos fortes da raça
Originalmente, a raça Holandesa era de dupla aptidão (Frísia) e passou a ser selecionada exclusivamente para aptidão leiteira na América do Norte, a partir do fim do século XIX. Como já mencionado, a principal qualidade da raça é a sua extraordinária capacidade de produzir grandes volumes de leite. Outro ponto a ser destacado é o notável melhoramento alcançado na raça Holandesa quanto ao volume (em quilogramas) dos componentes gordura e proteína.
Esse é, na minha opinião, um dos grandes avanços da raça Holandesa na última década. O rebanho holandês já foi corretamente associado à produção de leite com baixos teores de gordura e de proteína – algo que ainda se verifica em regiões onde não há sistemas de pagamento de leite por qualidade. Por outro lado, onde a produção de sólidos é valorizada e boas práticas nutricionais e de manejo são adotadas, as vacas holandesas vêm produzindo percentuais satisfatórios: entre 3,8% e 4,2% de gordura e entre 3,3% e 3,4% de proteína, mantendo, ainda assim, elevadas produções.
Portanto, atualmente, a raça é a que produz as maiores quantidades diárias de gordura e de proteína, até mesmo superiores a raças reconhecidas pela excepcional composição do seu leite.
Um outro ponto que gostaria de destacar é a diversidade de material genético existente na raça Holandesa e a possibilidade de escolher sêmen (sexado ou convencional) de centenas de reprodutores provados, de distintas origens, famílias e linhagens. Em contraste, para criadores das raças Jersey e Pardo-Suíço, as opções de sêmen provado são em menor número no mercado. Basta abrir qualquer catálogo das centrais de inseminação artificial com sêmen comercializado no Brasil para constatar que essa afirmação não é exagerada. Nessas raças de menor população e com número reduzido de opções de reprodutores provados, os riscos de consanguinidade são maiores.
Limitações e desafios
O tamanho atual de uma típica vaca holandesa é considerado excessivo por muitos especialistas. Segundo o National Academies of Sciences, Engineering, and Medicine (NASEM, 2021) – a nova versão do National Research Council (NRC) norteamericano, que atualizou as exigências nutricionais de vacas leiteiras –, vacas holandesas pesam em média 700 kg. No Brasil, estimativas indicam o peso adulto médio de 680 kg, embora haja grande variabilidade entre rebanhos (Busanello et al., 2022). A propósito, ao revisitar a metodologia dos estudos utilizados pelo NASEM para estabelecer a metodologia dos artigos e experimentos que deram origem às atuais exigências energéticas, proteicas e minerais de bovinos leiteiros, constatei que boa parte das pesquisas do mundo são conduzidas com rebanho holandês.
Vacas demasiadamente grandes apresentam maiores exigências energéticas de mantença e, portanto, precisam consumir mais alimento apenas para se manter – sem que isso se traduza, necessariamente, em maior produção de leite. Vacas excessivamente grandes também apresentam longevidade 15% inferior às vacas de porte mediano. Felizmente, há um movimento entre os criadores da raça para reverter essa tendência. A pontuação ideal para características corporais na classificação para tipo, por exemplo, deixou de ser o extremo 9 e passou a ser 7. Também tem crescido o interesse por animais mais eficientes, com ênfase em características Consumo Alimentar Residual (CAR ou RFI) e Feed Saved; assim como tem aumentado a ênfase negativa do Composto de Peso Corporal no índice de seleção Lifetime Net Merit.
Outro ponto de atenção é o aumento nas taxas de distocia e de natimortos em rebanhos especializados. Natimortos são os animais que nascem mortos ou que morrem poucas horas após o nascimento, ainda dentro das primeiras 24 horas de vida. A meta é limitar essa proporção abaixo de 4%. Sabemos que a incidência de natimortos é particularmente alta em partos distócicos e em novilhas de primeira cria que não receberam a devida atenção no período pré-parto. Segundo dados do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA), a raça Holandesa tem as maiores taxas de partos distócicos (ou dificuldade de parto) entre novilhas de primeira cria: 7,9% em comparação a 4,7% nas primíparas Pardo-Suíço e apenas 0,8% nas da raça Jersey.
A raça Holandesa também precisa manter o foco nas características que afetam a saúde, a resistência e a longevidade da vaca leiteira. Para que o produtor obtenha retorno econômico, é essencial que o animal permaneça um tempo mínimo no rebanho. O intervalo entre o nascimento e o primeiro parto é um longo período improdutivo, sem geração de receitas. Segundo estimativas atuais da Frísia Cooperativa Agroindustrial de Carambeí/PR, gentilmente compartilhadas pela técnica e ex-integrante do Grupo do Leite da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Maihury C. Santo, o custo para criar uma novilha leiteira até o primeiro parto (2 anos) foi, em julho deste ano, de R$11.400,00. Considerando o fato de que muitas vacas leiteiras completam apenas duas lactações, muitos animais passam praticamente metade da vida como novilhas.
A vida produtiva de vacas leiteiras pode ser definida como o tempo decorrido entre o primeiro parto e a saída do rebanho, por morte ou descarte. Tipicamente, vacas produzem leite entre 80% e 90% desse período, com o tempo restante sendo gasto no período seco se preparando para a lactação seguinte. Na maioria dos países de pecuária leiteira desenvolvida, a vida produtiva de uma vaca leiteira dura em média entre 2,5 e 4 anos (2 a 3 lactações). Como o primeiro parto ocorre aos 2 anos de idade, a vida total de uma vaca fica entre 4,5 e 6 anos. Entretanto, a expectativa natural de vida de bovinos leiteiros é de aproximadamente 15 a 20 anos (De Vries & Marcondes, 2020). Essa discrepância revela o impacto do estresse produtivo sobre a longevidade: muitas vacas nem sequer alcançam a idade adulta plena, estimada entre 6 e 7 anos, segundo referências clássicas.
Será que a longevidade varia entre raças? Parece que sim. Dados recentes de rebanhos leiteiros de Castro/ PR, levantados por minha orientada e pós-graduanda Marianna Marquetti (UFPR), indicaram diferença estatisticamente: a idade média das vacas Jersey foi de 58 meses, contra 52 meses nas vacas holandesas. Ainda não foi determinado se essa menor longevidade é consequência direta da alta produção ou se a vaca holandesa, por natureza, é menos robusta.
Outra característica de rebanhos holandeses de alta produtividade, em especial no Sul do Brasil, é que estão ficando cada vez mais jovens. Segundo minha orientanda Giorgia Bueno (UFPR), no início da década de 2000, 35% das vacas lactantes eram primíparas; hoje são 42%. Por outro lado, a proporção de vacas multíparas (com três ou mais partos) caiu de 40% para 33%. Por que nossos rebanhos estão ficando mais jovens? Nos últimos meses, fiz essa pergunta a alguns produtores que são referência na região dos Campos Gerais do Paraná e as respostas foram: 1) as primíparas têm produções cada vez mais próximas das multíparas; 2) as primíparas têm menor incidência de doenças metabólicas e infecciosas; 3) as primíparas têm menos mastite clínica e menor contagem de células somáticas CCS; 4) primíparas tem mais rápida reconcepção. Tomo a liberdade de acrescentar uma última razão: 5) as vacas adultas não estão alcançando produções tão altas quanto deveriam – uma hipótese que merece reflexão.
Tipicamente, a mortalidade explica 25% dos descartes de uma propriedade leiteira. Em outras palavras, de cada 4 vacas que deixam os rebanhos, 1 morre e 3 são descartadas. Estudo realizado com 20 grandes rebanhos confinados nos Estados Unidos encontrou uma média de 8% na taxa de mortalidade anual, com variações entre 3,5% e 16,8% (Stone et al., 2006). Essa é outra área que criadores e produtores comerciais de rebanho holandês, principalmente em sistemas de produção mais intensivos, têm que se preocupar. A meta em sistemas confinados bem manejados é manter esse índice abaixo de 4%.
Um fato que gerava muita preocupação há 30 anos, particularmente em rebanhos de maior produtividade, era a queda da eficiência reprodutiva de rebanhos leiteiros (Lucy, 2001). Em grande parte, essa queda de desempenho reprodutivo foi atribuída às maiores produções de leite: vacas de alta produção apresentavam menores taxas de concepção, maior perda de prenhez, maior taxa de múltipla ovulação e redução do estro comportamental (Wiltbank et al., 2006). Muitos especialistas afirmavam que a baixa e a decrescente eficiência reprodutiva dos rebanhos limitaria o progresso fenotípico das raças mais produtivas, em particular da raça Holandesa.
A boa notícia é que isso não aconteceu e essa tendência foi ou está sendo revertida. Por conta da combinação da melhoria das técnicas e do manejo reprodutivo, da melhoria das condições de conforto e mitigação do estresse calórico e da seleção genética para taxa de prenhez das filhas (Daughter Pregnancy Rate, DPR), houve uma reversão do declínio do desempenho reprodutivo de vacas leiteiras. Assim, quanto à reprodução, nem tudo está resolvido; e sem dúvida um cuidado constante e intensivo continua necessário. Mas pelo menos aquele quadro catastrófico que muitos consideravam inevitável não se confirmou.
Por último, cresce a preocupação com os limites térmicos que afetam a produção de leite. Os últimos verões impuseram desafios severos aos rebanhos de raças europeias especializadas, como a Holandesa, com vários dias de estresse calórico intenso e queda no consumo alimentar. O estresse calórico afeta negativamente praticamente todas as métricas e índices do rebanho leiteiro, ou seja, a redução do consumo alimentar representa somente uma porção do problema (ao redor de 40%, para ser mais exato).
Embora a zona de conforto térmico das raças europeias fique entre 1 °C e 21 °C, há evidências de que a raça Jersey tenha limites térmicos um pouco mais altos que a raça Holandesa. Para rebanhos holandeses de alta produção, será cada vez mais importante investir em instalações, práticas nutricionais e de manejo para amenizar o impacto das altas temperaturas. Mitigar o estresse calórico deve ser a máxima prioridade em rebanhos leiteiros, principalmente nos rebanhos holandeses e de alta produtividade.
Conclusões
Este artigo não teve como objetivo criticar a raça Holandesa, meramente relacionando seus pontos fracos e suas fragilidades. Pelo contrário; admiro a raça Holandesa e seus criadores. Entretanto, acredito que a seleção da raça Holandesa pode ser aperfeiçoada, em busca de um animal mais balanceado. É certo e claro que a produção de grandes volumes de leite e sólidos continuará a ser importante, mas não podemos nos esquecer de que o produtor precisa de uma vaca saudável, longeva e fértil para ter lucro e permanecer na atividade leiteira.
Fonte: Revista Leite Integral


































