Leite: consolidação global nas fazendas
20 de junho, 2025
Escrito por Glauco Rodrigues Carvalho e Henrique Salles Terror*
A cadeia produtiva do leite no Brasil vem passando por diversas mudanças profundas nas últimas décadas, que engloba um processo de redução do número de produtores e laticínios, maior investimento em sistemas intensivos de produção e formação de alguns polos produtivos. Do ponto de vista da oferta, a produção ficou praticamente estagnada nos últimos 10 anos, mostrando que o crescimento do volume de leite de alguns produtores, eficientes e com boa rentabilidade, vem sendo parcialmente neutralizado pela saída de outros, menos competitivos.
Em 2024, o volume de leite adquirido pelos laticínios cresceu 3,1% em relação a 2023, segundo o IBGE. Apesar de crescer, essa expansão da captação de leite em 2024 ocorre sobre uma base pequena, já que o volume de produção voltou ao patamar de 2021. O último censo agropecuário foi realizado em 2017 e registrou um total de 1,17 milhão de estabelecimentos produtores de leite, sendo que 634,5 mil venderam leite ou derivados. No censo de 2006, os estabelecimentos que venderam leite somaram 931,2 mil, mostrando queda de 32% no período.
Portanto, queda acentuada de aproximadamente 74 produtores por dia em 11 anos. Nos últimos anos, observa-se que o movimento de saída de produtores de leite no Brasil continua, apesar de não haver censo agropecuário com maior frequência para quantificar este fluxo recente. Além da queda do número de produtores, observa-se também movimento de expansão no tamanho das fazendas, com os pequenos pecuaristas perdendo participação na oferta nacional, em uma clara tendência de consolidação setorial.
Levantamento do Portal Milkpoint com os 100 maiores produtores de leite do Brasil mostra que, em 14 anos, a média diária de produção desse grupo passou de 11,7 mil litros para 28,7 mil litros. Neste período, os 100 maiores produtores cresceram 145%, enquanto a produção brasileira aumentou apenas 15%. Com esse resultado, os 100 maiores já representam cerca de 4,3% do leite inspecionado brasileiro. Na outra ponta, produtores com menor volume de leite seguem com participação decrescente na oferta brasileira.
Este movimento de consolidação produtiva não é exclusivo do Brasil e, sim, uma transformação global. Nos Estados Unidos, por exemplo, em 1987 havia 158 mil produtores de leite. Em 2002, já eram 75 mil e, em 2022, ficaram apenas 24 mil produtores, com as grandes fazendas participando cada vez mais da oferta de leite daquele país (figura 1). Atualmente, 47% das fazendas norte-americanas possuem mais de 100 vacas em lactação e representam 95% da produção de leite daquele país, volume quase três vezes a produção brasileira.
Na Europa, o movimento foi parecido. Em 2000, havia cerca de 3,9 milhões de produtores de leite em toda a União Europeia, restando apenas 905 mil em 2022 (figura 2). Ou seja, apenas 1/4 dos produtores continua na atividade em um continente que historicamente tem diversos mecanismos de suporte aos produtores e de gestão de risco. Também em 2000, olhando a estrutura de vacas nas fazendas europeias, apenas cerca de 15% delas tinha mais de 100 vacas. Atualmente, este percentual está próximo de 50%. Por outro lado, as fazendas com até 10 vacas, que representavam 30% do total em 2000, hoje são menos de 10%.
CONTEXTO GLOBAL SINALIZA PARA FAZENDAS MAIORES E EM MENOR NÚMERO
Estes dois exemplos, dos Estados Unidos e da Europa, indicam recuo do número de produtores e consolidação setorial mesmo em países com mecanismos desenvolvidos de gestão de risco e maior suporte aos produtores, algo distante da realidade brasileira.
Na Argentina, o principal parceiro comercial do Brasil no leite, a tendência é a mesma, com redução do número de fazendas e maior participação de grandes propriedades na oferta nacional. Em 2010, fazendas com mais de 10.000 litros por dia respondiam por apenas 5% do leite argentino e, atualmente, já produzem 35% do leite. De 1988 até 2024, o número de fazendas argentinas reduziu para 1/3 e este movimento continua a ocorrer. Em 2010, havia cerca de 11,9 mil fazendas naquele país e agora são somente 9,7 mil fazendas (figura 3).
Todo esse contexto global, que sinaliza para fazendas maiores e em menor número, indica que o movimento de consolidação tende a continuar também no Brasil, mas ainda há espaço para grandes e pequenos produtores conviverem no mercado local. Melhorias na gestão, eficiência e competitividade são fatores que abrem oportunidades para todos os perfis de tamanhos de produtores. Ser pequeno no leite brasileiro não é sinônimo de prejuízo, da mesma forma que ser grande não é sinônimo de lucro. O fundamental é ter bons indicadores técnicos de produtividade, estrutura de rebanho e, como consequência, bons indicadores econômicos.
A política atual de pagamento do leite pelos laticínios, que possui bonificação por volume relativamente mais elevada, acaba fortalecendo esse movimento de crescimento do tamanho médio das fazendas e consolidação no campo. No entanto, o resultado econômico das fazendas não depende exclusivamente do seu tamanho e maior preço do leite e, sim, da competitividade em custos de produção.
Portanto, o movimento de consolidação na cadeia do leite no Brasil segue ocorrendo, em sintonia com as tendências globais. Todavia, com assistência técnica de qualidade, eficiência e bons indicadores de produtividade e estrutura de rebanho, é possível obter boa rentabilidade, possibilitando investir e crescer com sustentabilidade no leite. Infelizmente, essa não é a realidade média nacional e muitos produtores continuam deixando a atividade, com reflexos negativos sobre o ritmo de crescimento da oferta de leite.
Além dos fatores econômicos, que envolvem economias de escala, eficiência em custo e preço de venda do leite, outros motivos não econômicos podem estar levando a essa fuga. A ausência de sucessão familiar, escassez de mão de obra no campo, baixa oferta de serviços públicos no meio rural, como saúde e educação, além da competição com outras atividades, são alguns dos desafios.
*Glauco Rodrigues Carvalho, pesquisador da Embrapa Gado de Leite, de Juiz de Fora-MG; Henrique Salles Terror, estudante de Economia da Universidade Federal de Juiz de Fora.
Fonte: EMBRAPA – Anuário Leite 2025