Conheça as principais ações que podem sabotar a reprodução do seu rebanho
05 de julho, 2025
O sucesso reprodutivo das vacas leiteiras está diretamente associado a diversos fatores, como o protocolo de inseminação adotado, a condição corporal dos animais, a produção de leite, a incidência de doenças e o estado nutricional. Por isso, a saúde reprodutiva requer uma avaliação criteriosa de todos os aspectos envolvidos na rotina da fazenda, já que cada um deles pode impactar significativamente os índices reprodutivos do rebanho.
Entre os entraves enfrentados na pecuária leiteira, as perdas gestacionais representam um dos maiores desafios para produtores e profissionais da área técnica. Essas perdas podem ter origens variadas, geralmente classificadas em dois grandes grupos: causas infecciosas (relacionadas a agentes como vírus, bactérias ou protozoários) e causas não infecciosas (envolvem manejo reprodutivo inadequado, deficiências nutricionais e fatores estressantes).
Estudos indicam que a maioria das perdas ocorre nos estágios iniciais da gestação, muitas vezes, antes mesmo de ser possível confirmar a prenhez por meio de exames. Para fins de diagnóstico, manejo e prevenção, é fundamental compreender a classificação dessas perdas de acordo com o estágio gestacional em que se manifestam:
- Perda embrionária: ocorre até os 42 primeiros dias de gestação;
- Aborto: caracteriza-se pela perda fetal entre 42 e 260 dias de gestação;
- Natimorto: refere-se ao nascimento de uma bezerra morta após os 260 dias de gestação;
- Morte neonatal: ocorre quando a bezerra nasce viva, mas morre nas primeiras 48 horas de vida.
Portanto, é importante destacar que o sucesso reprodutivo de uma vaca não depende de um único fator isolado, mas da interação de múltiplos elementos. Compreender as causas das perdas gestacionais e saber diferenciá-las ao longo das fases da gestação é essencial para médicos veterinários, técnicos, professores e produtores. Esse conhecimento permite a adoção de estratégias mais eficazes, contribuindo para a melhoria do manejo reprodutivo e, consequentemente, para o aumento da eficiência e da produtividade do rebanho.
Quem são os causadores das perdas gestacionais?
1. Doenças virais
Entre os vírus mais relevantes no contexto reprodutivo estão os causadores da rinotraqueíte infecciosa bovina (IBR) e da diarreia viral bovina (BVD):
a) IBR: causada pelo BoHV-1, o maior desafio é a latência viral. O vírus permanece inativo no organismo, podendo ser reativado e disseminado em momentos de estresse, tornando o animal portador e transmissor por toda a vida;
b) BVD: o risco está nos animais persistentemente infectados, que nascem já portando o vírus. Esses indivíduos eliminam o agente constantemente pelas secreções e excreções, sendo uma importante fonte de infecção dentro do rebanho.
2. Doenças bacterianas
As principais bactérias associadas ao aborto bovino incluem Brucella abortus (brucelose) e Leptospira hardjo (leptospirose):
a) Leptospirose bovina: geralmente causa aborto no primeiro terço da gestação. A infecção renal crônica é o principal desafio, pois o animal pode eliminar a bactéria na urina por longos períodos, mesmo sem sinais clínicos;
b) Brucelose bovina: os abortos ocorrem, em geral, no terço final da gestação, principalmente na primeira prenhez após a infecção. Em gestações subsequentes, pode haver o nascimento de bezerras fracas ou natimortas. A introdução de um animal infectado no rebanho é, geralmente, o gatilho para surtos, afetando diretamente os índices reprodutivos no primeiro ano após a entrada do patógeno.
3. Doenças causadas por protozoários
A neosporose, causada pelo protozoário Neospora caninum, tem ganhado destaque como importante causa de perdas gestacionais. Estudos indicam que até 40% das vacas abatidas podem ser soropositivas para o agente.
A infecção provoca abortos, sobretudo no segundo terço da gestação. O protozoário atravessa a placenta e atinge o feto, podendo causar aborto, mumificação fetal ou o nascimento de bezerras cronicamente infectadas. Os casos podem ocorrer de forma isolada, em surtos ou em ciclos reprodutivos, o que dificulta o diagnóstico e o controle efetivo da doença.
Essas infecções persistem nos rebanhos de forma silenciosa, contínua e altamente contagiosa, tornando indispensável o investimento em estratégias eficazes de prevenção, diagnóstico e controle, com foco na biosseguridade e na educação sanitária dos produtores e colaboradores.
Muito além dos microrganismos: as causas invisíveis da falha reprodutiva
Diversas doenças e condições sem origem infecciosa podem comprometer a gestação de vacas leiteiras. Esses fatores incluem desordens metabólicas, nutricionais, hormonais, genéticas e ambientais. Entre as causas metabólicas e nutricionais mais recorrentes nos rebanhos leiteiros destacam-se a hipocalcemia e a cetose.
1. Hipocalcemia
A concentração adequada de cálcio é essencial para diversas funções fisiológicas, incluindo a resposta imunológica. O cálcio atua como segundo mensageiro celular, sendo crucial para a ativação dos neutrófilos, células-chave na defesa contra infecções.
Níveis plasmáticos de cálcio inferiores a 2,15 mmol/L (8,5 mg/dL) comprometem a função dos neutrófilos, gerando imunossupressão e aumentando o risco de infecções. A hipocalcemia no periparto está associada a atrasos na concepção, extensão do intervalo entre partos, retardo na ovulação, redução na taxa de prenhez por inseminação artificial e maior ocorrência de perdas gestacionais. Esses fatores comprometem a saúde da vaca ao longo de toda a lactação.
O período periparto é especialmente crítico, pois há aumento das exigências nutricionais relacionadas ao crescimento fetal, desenvolvimento mamário e início da lactogênese. A redução na ingestão de matéria seca nesse período eleva os riscos de doenças metabólicas e uterinas, com impacto negativo na fertilidade.
A regulação do cálcio é vital para funções como a contração muscular e a coagulação sanguínea. Por isso, é fundamental adotar estratégias nutricionais eficazes, como o uso de dietas aniônicas, que induzem uma leve acidose metabólica, estimulando a liberação de paratormônio - hormônio responsável pela mobilização e absorção de cálcio.
Embora a prevenção seja a melhor abordagem, o tratamento da hipocalcemia é essencial em casos clínicos. A administração precoce de sais de cálcio por via intravenosa é eficaz, especialmente se realizada nas primeiras horas após o diagnóstico. A dose recomendada é de 2 g de cálcio por 100 kg de peso vivo, administrada à taxa de 1 g/minuto, a fim de evitar arritmias. O gluconato de cálcio é a opção preferencial, por ser menos nocivo ao coração em situações que requerem intervenção rápida.
2. Cetose
A cetose é uma enfermidade metabólica comum no período de transição das vacas leiteiras, caracterizado por alta demanda energética e baixa ingestão de matéria seca. Essa condição leva ao
balanço energético negativo, forçando o organismo a mobilizar gordura corporal. Essa mobilização excessiva resulta na produção de corpos cetônicos, que, em níveis elevados, são tóxicos ao organismo.
A doença ocorre, principalmente, no final da gestação e início da lactação. Clinicamente, a cetose pode se apresentar de duas formas:
- Cetose clínica: com sinais evidentes como apatia, anorexia, redução na produção de leite e hálito com odor adocicado;
- Cetose subclínica: mais prevalente, silenciosa e detectada apenas por meio de testes laboratoriais de corpos cetônicos no leite ou sangue.
Além disso, a cetose pode ser classificada quanto à origem:
- Primária: decorrente exclusivamente do desequilíbrio energético;
- Secundária: consequência de doenças que reduzem o consumo alimentar, como metrite ou deslocamento de abomaso.
A forma subclínica é particularmente preocupante por afetar de 20% a 40% das vacas no pós-parto, gerando perdas produtivas e reprodutivas significativas. Vacas acometidas podem produzir até 1,4 kg a menos de leite por dia e apresentar intervalos parto-concepção mais longos, além de menor eficiência nos protocolos reprodutivos.
Estudos realizados no Brasil reforçam o impacto econômico da cetose. Em 2022, um levantamento no Sul de Minas Gerais estimou um custo médio de R$ 406,98 por caso de cetose subclínica, sendo 39,6% das perdas relacionadas à produção de leite, 35,5% aos atrasos reprodutivos e 18,5% aos custos com diagnóstico. Em sistemas intensivos, prevalências de 10% a 30% para a forma subclínica e de 3% a 7% para a forma clínica são comuns. Internacionalmente, os custos por caso variam de €130 a €257, confirmando que o impacto é global.
O tratamento da cetose baseia-se na administração intravenosa de 500 ml de solução de glicose a 50%, promovendo hiperglicemia temporária, que estimula a liberação de insulina, reduz os ácidos graxos circulantes e favorece a recuperação clínica. Em casos mais graves, podem surgir sinais neurológicos, como marcha em círculos, cruzamento de membros, cegueira, lambedura da pele e salivação excessiva.
Fatores genéticos
Avanços na genômica têm ampliado significativamente o entendimento sobre as causas genéticas da infertilidade em bovinos. Testes comerciais de genotipagem por SNPs (polimorfismos de nucleotídeo único) permitem identificar variantes que influenciam diretamente a fertilidade, otimizando os programas de seleção.
Um estudo conseguiu identificar regiões do genoma (QTLs) associadas à falha de fertilização, morte embrionária precoce, abortos e falhas no desenvolvimento do embrião. A identificação desses loci possibilita a seleção de animais geneticamente superiores quanto à capacidade reprodutiva.
Esses avanços contribuem para a construção de estratégias de melhoramento genético mais eficazes, com impacto direto na redução das perdas gestacionais e no aumento da eficiência produtiva dos rebanhos.
O ambiente também pode levar a perdas gestacionais?
O ambiente em que os animais estão inseridos exerce papel fundamental na manutenção da gestação. Fatores ambientais adversos, muitas vezes subestimados na rotina das fazendas, podem afetar diretamente a saúde reprodutiva das vacas - por meio de influências hormonais, metabólicas e comportamentais.
Entre os principais desafios ambientais e de manejo na bovinocultura leiteira, destacam-se o estresse térmico, a presença de plantas tóxicas, a superlotação e condutas de manejo inadequadas.
a) Estresse térmico: o estresse por calor é um dos principais fatores ambientais adversos durante a gestação. Em períodos quentes, o aumento da temperatura corporal da vaca pode comprometer a produção hormonal, afetar o funcionamento do corpo lúteo e reduzir os níveis de progesterona - hormônio essencial para a manutenção da gestação. Além disso, o calor excessivo compromete a imunidade, favorecendo a ocorrência de doenças e dificultando a fixação e o desenvolvimento embrionário;
b) Plantas tóxicas: a presença de plantas tóxicas nas pastagens representa risco importante, sobretudo em regiões onde há ocorrência de espécies com potencial abortivo, como Senecio spp., Brachiaria spp. (particularmente em animais mais sensíveis) e Palicourea spp.. A ingestão dessas plantas pode causar intoxicações sistêmicas, lesões hepáticas e efeitos diretos sobre o útero e o feto, resultando em abortos ou natimortos. Essas ocorrências são mais comuns em rebanhos com acesso a pastagens extensivas, sendo raras em sistemas de confinamento;
c) Superlotação: a alta densidade animal no ambiente interfere negativamente na reprodução. Quando muitos animais ocupam o mesmo espaço, há aumento da competição por recursos como alimento, água e sombra, além da maior exposição a dejetos e agentes infecciosos. Esse ambiente estressante favorece brigas, traumas, quedas e situações que podem levar à perda da gestação, sobretudo em vacas gestantes mais vulneráveis;
d) Manejo inadequado: práticas de manejo como contenções frequentes, transporte em fases críticas da gestação ou mudanças bruscas de lotes elevam os níveis de estresse. Isso estimula a liberação de cortisol, hormônio que, em concentrações elevadas, prejudica a gestação e pode desencadear abortos. Por isso, o ambiente deve ser planejado com foco no conforto, bem-estar e estabilidade dos animais. A observação contínua das condições do local e a adoção de medidas preventivas são essenciais para evitar perdas gestacionais causadas por fatores muitas vezes silenciosos, porém altamente impactantes.
Considerações finais
As perdas gestacionais em vacas leiteiras constituem um desafio multifatorial, envolvendo causas infecciosas, nutricionais, metabólicas, genéticas, ambientais e de manejo. Compreender e controlar esses fatores demanda uma abordagem técnica, sistemática e integrada entre diferentes áreas da medicina veterinária voltada à produção.
Nesse cenário, a atuação de profissionais capacitados é indispensável para a identificação das causas, o diagnóstico preciso e a definição de estratégias de prevenção. Contudo, a responsabilidade pela redução das perdas gestacionais não é individual, mas compartilhada entre os setores produtivo, nutricional, sanitário e reprodutivo da fazenda.
Resultados consistentes são alcançados por meio de trabalho colaborativo, com decisões baseadas em dados, vigilância epidemiológica e boas práticas de manejo. Investir em programas reprodutivos bem estruturados, que integrem protocolos sanitários, nutrição balanceada, manejo eficiente e seleção genética criteriosa, é o caminho para melhorar os índices reprodutivos e aumentar a rentabilidade da propriedade.
Quando há uma atuação técnica fundamentada, aliada ao engajamento da equipe, é possível construir sistemas de produção mais eficientes, sustentáveis e lucrativos para a pecuária leiteira contemporânea.
Fonte: Revista Leite Integral