Ordenhas robóticas em fazendas leiteiras

Ordenhas robóticas em fazendas leiteiras

20 de julho, 2019

Escrito por Marcelo de Paula Xavier*, M.Sc.

 

Há algo meio paradoxal na visão de uma vaca leiteira andando em um barracão e, por vontade própria, entrando em uma máquina de ordenha robotizada. As vacas são animais com comportamento de rebanho que, em sua maioria, seguem as ações do grupo ou – mais frequentemente – de um “guia” humano. Os engenheiros que primeiro sonharam com a ideia de máquinas de ordenha robotizadas parecem, sem querer, ter dado às vacas uma autonomia que permite a cada uma tomar decisões por si mesma.

A ordenha robotizada ainda é relativamente incomum na pecuária de leite. No gráfico abaixo, pode-se notar que – em 2014 – havia um percentual de robôs em fazendas da Europa e do Canadá que girava entre 4% e 24%. No entanto, a ordenha robotizada é uma tecnologia comprovada e se tornou um elemento central em uma rede de tecnologias ainda em expansão, que está trazendo um novo cenário ao negócio da pecuária leiteira. Instrumentos que podem ser usados junto com o robô de ordenha oferecem aos produtores um quadro mais completo de seus animais: a saúde, a fertilidade de e a qualidade do leite que produzem.

Na história da robótica, há poucos exemplos de interações bem-sucedidas entre um robô e uma criatura viva. Há ainda menos casos em que os engenheiros projetaram uma máquina que é capaz de levar em conta a variabilidade biológica no estabelecimento do contato entre as duas partes (que é o que os robôs de ordenha fazem).

Além dos problemas normais no desenvolvimento de uma nova máquina, os engenheiros que planejam robôs para uso com o gado devem ter em mente que eles vão operar em um ambiente sujo. Além disto, os robôs precisam ser robustos o suficiente para resistir a eventuais coices, porém precisam ser “gentis” com os animais.

Os componentes pneumáticos ou elétricos que acionam as seções do robô que têm contato direto com os animais precisam ser sensíveis a qualquer força oposta. Os parâmetros escolhidos variam de uma função para outra, mas em geral a regra é: pressionar firme, mas levemente e recuar quando houver resistência sustentada.

ORDENHA AUTOMATIZADA

A vaca entra na baia vazia do robô, atraída por uma cocho de alimentação montado no portão frontal e, quando a fotocélula detecta a presença do animal, o portão traseiro se fecha. A identidade da vaca é estabelecida por uma dispositivo eletrônico de tornozelo, pescoço ou orelha. Com o animal dentro do robô, a ração começa a cair na cuba de alimentação, na quantidade certa para cada vaca, as quais ficam relativamente paradas enquanto se concentram em comer.

A parte central do piso da baia é coberta por uma grade para garantir que a vaca fique com as pernas traseiras convenientemente separadas e adjacentes aos lados da baia. O braço do robô é montado fora da baia e abaixo do nível do úbere, de forma que possa se movimentar horizontalmente sob a barriga do animal sem impedimentos. Usando um sistema de coordenadas para localizar a posição desejada, o braço primeiro limpa os tetos da vaca, usando um spray de água e um par de escovas rotativas suaves que ajudam a desencadear a liberação da oxitocina, facilitando a liberação do leite. 

O alinhamento das teteiras exige mais precisão do que a limpeza que o precedeu, pois o robô tem que lidar com um alvo (o teto) que é anatomicamente variável e propenso a se mover enquanto a vaca respira ou se movimenta dentro da baia. Essa precisão é obtida por um laser, que direciona o equipamento nos tetos da vaca. O sistema de rastreamento guia um dos copos até o local correto e, em seguida, o coloca no teto. O mesmo procedimento é repetido para cada um dos outros três tetos. 

Um sensor de vácuo localizado no tubo que transporta o leite sinaliza que o copo está conectado, respondendo também quando o fluxo de leite cessa em cada teto. Um a um os copos são retirados, os tetos são borrifadas com desinfetante, o braço robótico se retrai, o portão da frente da baia se abre e a vaca está livre para ir.

QUALIDADE DO LEITE

Além de coletar o leite, a instrumentação embutida no robô pode executar uma série de testes em sua quantidade e qualidade, incluindo a indicação dos teores de gordura e proteína. O exame óptico revela a presença de qualquer sangue que possa torná-lo impróprio e, portanto, descartado. Dados sobre todos os aspectos de cada ordenha, para cada vaca, são também coletados e transmitidos para o computador da fazenda. Os produtores podem examiná-los da forma que lhes for mais conveniente e com o máximo de detalhes necessários para entender o desempenho de cada vaca no rebanho.

A análise do leite pode apontar deficiências nutricionais específicas em alguns animais e isto pode alertar o produtor para tomar medidas corretivas na alimentação das vacas. O robô pode até agir por iniciativa própria, se receber instruções para tal. O robô também pode fazer escolhas sobre o caminho a ser tomado pelas vacas ao sairem da ordenha. Cada vaca pode retornar normalmente ao barracão para se alimentar ou deitar, ou ser desviada para uma área fechada de manejo, para uma finalidade específica, como uma inspeção veterinária ou uma inseminação.

FERTILIDADE E SAÚDE

A ordenha robotizada oferece, também, a oportunidade de monitorar a saúde e a fertilidade de cada vaca individualmente. Isto é um recurso que já existe na maioria dos sistemas. Quando as vacas estão no cio, por exemplo, elas se tornam mais ativas e sua contagem de passos pode aumentar cerca de dez vezes. Ou, ainda, se uma vaca está se levantando e deitando repetidamente, ela pode estar sofrendo algum tipo de desconforto. O sistema monitora a atividade das vacas e reconhece estas atividades "anormais".

A contagem de células somáticas no leite, de cada vaca e em cada ordenha, também foi introduzida para detectar sinais de mastite. Elas são detectadas pela retirada de uma pequena amostra de leite, que é misturada com um corante, de modo que uma câmera digital possa contar o seu número por unidade de volume do leite. Iste permite que o leite de descarte seja automaticamente desviado do tanque de coleta principal. Este sistema ajuda, ainda, na detecção e tratamento precoce de mastites sub-clínicas e na efetividade do tratamento a ser monitorado. Outras medidas do fluxo de leite podem sinalizar doenças nas glândulas mamárias, como as mastites.

O FUTURO

Não se sabe, ao certo, aonde esta tecnologia pode chegar. Existem aspectos prováveis para o futuro dos testes automatizados no leite, como: detecção de hormônios reprodutivos e de estresse, ou ainda marcadores biológicos de saúde e bem-estar metabólico. 

Uma pesquisa recente no Reino Unido descreveu a agropecuária como uma dos setores menos digitalizados do mundo, mas o uso de robôs que coletam dados em grande escala nas fazendas está mudando tudo. A análise de dados na agropecuária se tornará cada vez mais importante para aumentar a eficiência do setor e planejar seu futuro. A noção popular de engenharia agrícola, em grande parte preocupada com a construção de tratores maiores e melhores, já está ficando cada vez mais desatualizada!

 

Referências:

Ingenia

Researchgate

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*Marcelo de Paula Xavier, editor do Canal do Leite, formado em Administração de Empresas pela Universidade Estadual de Ponta Grossa, com Mestrado em Agronegócios pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, foi presidente da Associação dos Criadores de Gado Jersey do Brasil por dois mandatos.

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