A velocidade de ordenha importa mais do que imaginamos

A velocidade de ordenha importa mais do que imaginamos

08 de dezembro, 2025

Não estamos falando de tempo no grande sentido das estações ou das lactações. Não. Estamos falando de minutos. De segundos, até. Aquele tipo de tempo que você quase ignora se não estiver atento. Mas aqui está a verdade silenciosa que precisamos começar a dizer em voz alta: o tempo de ordenha importa mais do que pensamos. E reduzir até mesmo alguns poucos segundos desnecessários pode mudar tudo, do conforto de uma vaca à vida útil de todo um rebanho.

Parece uma afirmação ousada. Talvez até dramática. Mas deixe-me levá-lo por uma jornada para mostrar por que isso não é apenas verdade – é urgente.

A sala de ordenha como coração pulsante

Toda fazenda tem um ritmo e sua sala de ordenha é o coração que pulsa. É ali que tudo converge: o desempenho dos equipamentos, a habilidade da equipe, o humor do rebanho, a saúde dos úberes. É ali que vemos o verdadeiro estado da operação – não em planilhas ou relatórios, mas na forma como as vacas se comportam ao entrar, quanto tempo esperam, quão tranquilas permanecem, e quão rápida e completamente o leite é liberado.

O tempo, nesse contexto, não é apenas uma unidade de medida – é um espelho. Se a ordenha demora demais, isso reflete ineficiências na rotina, desconforto na vaca ou desequilíbrios no sistema. Se é curta demais, podemos estar apressando à custa da completude ou do cuidado. Mas quando o tempo de ordenha é otimizado – nem apressado, nem desnecessariamente prolongado – algo bonito acontece. O leite flui livremente. A vaca permanece tranquila. O equipamento funciona com leveza. E todo o processo simplesmente… parece certo.

Ainda assim, em muitas fazendas, continuamos tratando o tempo como uma métrica secundária ou um detalhe. Focamos na produção, na contagem de células somáticas, nas taxas de infecção – e com razão. No entanto, quando nos aprofundamos um pouco mais, descobrimos que muitos desses problemas “lá na frente” compartilham uma mesma causa “lá atrás”: uma má gestão do tempo de ordenha.

Quando os segundos viram sintomas

Considere isto: a vaca é um sistema biológico finamente ajustado. Sua ejeção de leite é um reflexo neuroendócrino acionado pela ocitocina, inibido pelo estresse e moldado pela experiência. Quando a ordenha é suave, gentil e oportuna, a ocitocina flui, o leite desce por completo e o úbere é esvaziado de forma eficiente. Mas se ela permanece tempo demais sob vácuo depois que o fluxo de leite já cessou – o que chamamos de sobreordenha – seus tetos começam a inchar. O tecido fica congestionado de sangue e linfa. O esfíncter na extremidade do teto, que atua como a primeira linha de defesa contra patógenos, pode ser danificado. Nem sempre sangra ou roxeia, mas sofre.

Essas não são apenas lesões invisíveis. São as sementes da mastite, da hiperqueratose e da degradação do úbere a longo prazo. A vaca não grita. Não reclama. Mas, com o tempo, seu comportamento muda – ela passa a hesitar ao entrar na sala de ordenha, fica inquieta durante a ordenha ou reduz a produção. E quando não respondemos a esses sinais sutis, perdemos mais do que leite. Perdemos confiança, perdemos longevidade – perdemos a vaca.

Agora multiplique isso por 100, 300, 1.000 vacas – duas vezes por dia, 365 dias por ano – e você começa a enxergar a escala do problema. Cada segundo desnecessário de ordenha torna-se um fator de risco acumulativo. Cada minuto desperdiçado vira um risco ampliado.

O alto custo da pouca consciência

Uma vez, entrei em uma fazenda onde a ordenha havia, silenciosamente, se estendido para mais de oito minutos por vaca. Ninguém havia percebido. O sistema não tinha mudado, as vacas não haviam se rebelado, e o leite continuava fluindo. Mas a equipe havia se tornado insensível ao crescimento gradual do tempo. Trabalhavam no automático, não na consciência. Quando começamos a medir e analisar os dados, os sinais apareceram: um aumento lento, porém constante, nos casos de mastite clínica, um crescimento preocupante da aspereza nas extremidades dos tetos e uma distância cada vez maior entre o potencial produtivo e o desempenho real.

Ao simplesmente reavaliar as rotinas de preparação, checar os níveis de vácuo, ajustar o momento de retirada do conjunto de ordenha e treinar novamente a equipe, conseguimos reduzir o tempo médio de ordenha em mais de 20%. O resultado? Não apenas maior velocidade de saída, mas vacas mais calmas, tetos mais limpos e redução nos casos de mastite em poucas semanas. Um produtor disse: “É como se tivéssemos dado uma respiração profunda à sala de ordenha. Tudo parece mais fácil agora.”

Esta não é uma história sobre velocidade pela velocidade. É sobre uma gestão de tempo intencional, guiada pela precisão, em que cada segundo conta, e cada vaca é tratada não como uma máquina a ser esvaziada, mas como um ser vivo a ser compreendido.

Cortando segundos, salvando vidas

Você pode achar que essa conexão poética entre segundos e vidas é exagero. Mas vamos olhar mais de perto. Vacas ordenhadas de forma eficiente e suave permanecem mais saudáveis. Vacas saudáveis são menos propensas à mastite – o motivo mais comum para o uso de antibióticos e o descarte precoce. Vacas com melhor saúde de úbere permanecem mais tempo no rebanho, produzem mais leite ao longo da vida e geram menos resíduos e menor impacto de carbono por litro produzido. E cada lactação extra que uma vaca completa reduz a pressão por criar e repor novilhas, o que representa um enorme custo, financeiro e ambiental.

Então, sim, cortar segundos salva vidas. Salva a vida da vaca que seria descartada precocemente. Salva o estresse e a exaustão dos trabalhadores que já não precisam lutar contra o mesmo problema todos os dias. Salva a própria sala de ordenha do desgaste e das quebras. E, de certa forma, salva o espírito da atividade leiteira de se tornar mecânica e anestesiada pela rotina.

Do ritual à precisão

Otimizar o tempo de ordenha começa com fazer perguntas melhores:

  • Minhas vacas estão calmas antes de entrar na sala de ordenha?
  • Quanto tempo leva do acoplamento do conjunto até o início do fluxo de leite?
  • Estamos sobreordenhando sem perceber?
  • Com que frequência checamos os níveis de vácuo e as taxas de pulsação?
  • Todos os ordenhadores seguem a mesma rotina ou os hábitos variam conforme a pessoa e o turno?

A tecnologia pode ajudar. Um olhar bem treinado também. Mas, acima de tudo, é preciso uma mudança de mentalidade – deixar de ver o tempo como uma limitação e passar a enxergá-lo como uma alavanca de transformação.

Comece com pequenos passos. Meça os tempos de ordenha por lote, por operador, por dia da semana. Use esses dados para identificar padrões. Não apresse as vacas, mas também não permaneça onde isso causa prejuízo. Alinhe o desenho das máquinas à biologia da vaca. E, sobretudo, trate o ato de ordenhar como uma conversa, não como uma extração.

O paradoxo da velocidade

O paradoxo é este: quando você foca em qualidade, conforto e consistência, a velocidade vem naturalmente. As vacas fluem melhor, o leite desce mais rápido. A equipe trabalha com confiança, não com confusão. E os segundos – aquelas pequenas unidades que antes ignorávamos – tornam-se aliados preciosos e poderosos na construção de um rebanho mais saudável, mais feliz e mais sustentável.

O tempo de ordenha importa, não porque mais rápido seja sempre melhor, mas porque o tempo usado com propósito protege a vida. Então, da próxima vez que você vir os conjuntos sendo colocados, respire fundo. Ouça o ritmo. E pergunte a si mesmo:
“Estamos usando esse tempo com sabedoria?”
Porque cada segundo que desperdiçamos é um que jamais poderemos “ordenhar” de volta.

 

Fonte: Dairy Global

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