A NotCo e os lácteos: Mercado de R$ 170 bilhões
02 de agosto, 2025
Escrito por Paulo do Carmo Martins*
As primeiras vacas chegaram no Brasil em 1534. Durante séculos, leite foi alimento perecível e com mercado local, restrito a uma distância pequena, cujo raio não ultrapassava a 100 km. Isso consolidou um mercado estruturado em laticínios pequenos, que tinham nas padarias o ponto fundamental de comercialização.
Tudo começou a mudar nos anos oitenta, quando se inicia a disseminação do leite UHT. Num país em que a população estava concentrada a uma distância de 500 km do litoral, o chamado Leite de Caixinha foi vital para a interiorizar a produção de leite. Com leite deixando de ser perecível, a vaca não precisava mais estar perto do consumidor.
Foi o leite UHT que permitiu que Goiás surgisse no cenário lácteo nacional, nos anos noventa, a ponto de levar todos a imaginarem, eu incluído, que aquele Estado seria o campeão brasileiro de produção, profecia que nunca se realizou.
Com mercado atomizado, não havia uma marca nacional para o leite fluido. E Leite UHT era commodity. Para os consumidores, leite de caixinha era tudo igual e a escolha de compra era feita pelo menor preço. Por isso, as grandes empresas do setor não atuavam neste mercado, exceto as cooperativas.
Mas, nos anos noventa, a Parmalat, até então desconhecida do consumidor comum, decidiu ganhar mercado. Contratou o sempre genial Nizan Guanaes, que criou a campanha publicitária “Mamíferos”. Se você tem mais de trinta anos, certamente se lembra das crianças vestidas de animais mamíferos. Aqueles bichinhos carinhosos estão em minha memória afetiva até hoje. Eles me fazem voltar no tempo, envolto em emoção, lembrando como os meus filhos pequenininhos paravam diante da TV, quando a curta propaganda se iniciava.
Os mamíferos mexeram com o mercado lácteo nacional. Os supermercados já haviam substituído as padarias na venda do leite, que tinha deixado de ser perecível por conta do processo UHT. Mas, as grandes redes de varejo concebiam o leite de caixinha como forma de atrair o consumidor, com estratégias similares adotadas à arroz, feijão e açúcar.
Então, com a campanha da Parmalat, as redes de supermercados passaram a dedicar espaços nobres aos lácteos nas lojas. Além disso, os mamíferos mostraram que os grandes laticínios finalmente deveriam entrar no segmento de leite fluido.
Os bichinhos da Parmalat vieram para o nosso imaginário. E dali nunca mais saíram. Ainda estão lá, envoltos em emoções!
Mas, no mês passado, outra empresa também decidiu se valer dos mamíferos para exponenciar vendas.
A chilena NotCo foi a primeira starturp do agronegócio latino-americano a se tornar unicórnio. Em linguagem de empreendedorismo, torna-se unicórnio aquela startup que consegue ser avaliada em US$ 1 bilhão, pelo menos. E ela conseguiu!
A NotCo entrou no mercado de primeiro mundo, ao ter seus produtos comercializados pela Wole Foods Market, uma rede focada em alimentos naturais, orgânicos e produtos considerados saudáveis. Esta empresa tem lojas nos EUA, Canadá e Reino Unido. Um pequeno detalhe: esta rede é da Amazon! Portanto, uma subsidiária da Amazon distribui os produtos da NotCo no primeiro mundo.
Pelo tamanho do mercado, qualquer empresa que queira crescer em vendas na América do Sul, tem de priorizar o Brasil. Afinal, somos a metade de tudo que é sulamericano, quer seja população ou PIB.
A NotCo lançou o Notmilk no Brasil em 2020, veiculando uma propaganda muito agressiva. Esperava obter engajamento de novos consumidores, ao divulgar jovens jogando leite fora e aderindo ao seu produto ultraprocessado, feito à base de vegetais.
A empresa não conseguiu acelerar vendas do NotMilk, no Brasil, nestes cinco anos. Mais que isso, esta marca encontra-se na vala comum das marcas de leites vegetais, sem um diferencial. Está derrapando até agora, sem crescer. Com frequência, tem promoção de NotMilk em supermercados brasileiros.
O Good Food Institute - GFI, é uma entidade que está presente nos principais países e que busca estimular o crescimento da produção e do consumo de proteínas que sejam substitutas às proteínas animais, ou seja, diferentes de carne, leite e ovos.
Pois, eu perguntei a um membro do GFI no Brasil, porque encontro, com frequência, o NotMilk em promoção. Seria dificuldade de vendas? Ele foi lacônicos na resposta. Disse que, quando ocorre, é com produto a vencer, resultante de prospecção de mercado e não rejeição de mercado. Hum, hum...entendi!
Todavia, a campanha feita pela NotCo, pegando carona na emblemática campanha “mamíferos”, como aconteceu no mês passado, pode estar representando uma decisão estratégica e agressiva da Empresa , visando ganhar o mercado brasileiro, saindo da condição de ostracismo que se encontra. Afinal, um dos donos da NotCo é Jeff Bezos. Além disso, ele também é dono da Amazon, que é dona da rede que distribui o NotMilk em mercados do primeiro mundo.
Será que a NotCo decidiu construir mercado no Brasil a preço de dólar? É o que parece....
O ganho deste caso da NotCo para o setor de Leite e Derivados nacional existiu. Foi publicada uma nota de repúdio assinada pela Abraleite, Vivalácteos, G-100, Abiq e ABLV. Um fato histórico por ter sido documento feito em conjunto!
Outro ganho importante foi a posição do Conar, um órgão autorregulador, ou seja, do próprio setor publicitário. Acionado pela Lactalis, detentora da marca Parmalat, o Conar mandou suspender a campanha antiética da NotCo.
Mas, outras investidas virão!
E os análagos? O que fazer? Estamos preparados para defender este mercado anual de R$ 170 bilhões?
*PAULO DO CARMO MARTINS – Economista, Dr. Em Economia. Pesquisador da Embrapa e Professor da UFJF/Facc