Victor Breno Pedrosa


Zootecnista, Prof. Dr. de Melhoramento Animal e Estatística

vbpedrosa@uepg.br

PUBLICAÇÕES

Os cuidados com a anotação de dados e os impactos na avaliação genética

19 de outubro, 2020

Autores: Dr. Victor Breno Pedrosa* e Dra. Laiza de Souza Lung**

 

Nas últimas postagens falamos muito sobre a importância da coleta (não seletiva) de dados e dos fatores não genéticos para a avaliação genética. Mas será que tudo o que é anotado nas fazendas é válido para a avaliação genética? Vocês já devem ter ouvido a expressão “O papel aceita tudo”, porém, na avaliação genética a história não é bem assim.

Não somente a quantidade de dados como também a qualidade deles tem importância fundamental para qualquer avaliação genética. Essa qualidade não está restrita apenas as características das quais serão estimados os valores genéticos, como produção de leite e características lineares de tipo, mas também dos fatores não genéticos, como data de nascimento. Quando falamos em qualidade estamos falando em informações corretas, sem erros de digitação ou até mesmo “erros propositais”. Porém, por sermos seres humanos estamos predispostos a errar, e, para evitar que essa falha cause um dano maior na avaliação genética, uma varredura minuciosa nos dados é realizada previamente, o que chamamos de edição ou controle de qualidade dos dados.

No caso das características que apresentam variação contínua, como produção de leite, normalmente a verificação de dados efetuada está relacionada a manutenção dos valores coletados dentro de um limite biologicamente aceitável, ou seja, dentro de uma amplitude natural de produção de um indivíduo de acordo com a espécie e/ou raça. Neste caso, a maioria dos melhoristas adotam a metodologia de manter valores dentro de 2 a 3 desvios-padrões em relação à média da característica, eliminando valores discrepantes e que potencialmente possam ter sido gerados por um erro de digitação. Por exemplo, se uma vaca produziu em um dia 30 kg de leite e a informação anotada foi 300 kg, este registro será desconsiderado do banco de dados, pois sabemos que 300 kg está muito além do que é considerado normal para a produção diária de uma vaca. Para as características categóricas, como as características lineares de tipo, uma inspeção também é realizada a fim de eliminar qualquer erro de digitação e manter assim só as categorias dentro da escala de cada característica, por exemplo 1 a 9.

E se não houvesse esse filtro inicial, como ficaria a avaliação genética? Para ilustrar o impacto dessa etapa, vamos utilizar o exemplo da matéria “Perigos do controle leiteiro seletivo”, publicada aqui em nossa coluna do Canal do Leite. Na tabela abaixo estão os dados e os cenários, que são: dados de produção informados corretamente (Cenário 1) e dados de produção informados com um erro de digitação na Vaca C (Cenário 2). Continuamos utilizando um modelo animal para fazer a avaliação genética dos animais, considerando-se a informação de lote de criação como grupo de contemporâneo.

Uma evidente reclassificação dos animais, baseado nos seus valores genéticos, ocorreu devido ao erro de digitação no valor da produção da Vaca C, em que o correto seria 9, mas o valor informado foi 90. No caso dos machos, a posição dos animais extremos ficou invertida, ou seja, o macho com menor valor genético no Cenário 1 (Touro C) foi o animal (dentre todos, machos e fêmeas) com o maior valor genético no Cenário 2. Em relação as fêmeas, as 6 primeiras colocadas permaneceram em ambos os cenários, apesar da mudança na classificação delas. Além disso, a diferença entre os valores genéticos dos machos e das fêmeas ficou maior no Cenário 2, ou seja, seria esperado uma diferença mais pronunciada na produção média das progênies desses animais no Cenário 2. Portanto, se uma avaliação minuciosa inicial dos dados não for feita, esses erros podem passar despercebidos e estimações super ou subestimadas de valores genéticos, potencialmente, podem ser obtidos, prejudicando a seleção dos futuros reprodutores.

No caso dos fatores não genéticos que irão ser incluídos nos modelos de avaliação genética, um controle de qualidade inicial também é realizado. Da mesma forma que um valor da produção de um animal pode ser erroneamente tabulado, informações como datas de acasalamento e nascimento e dias em lactação também são passíveis dos mesmos erros, principalmente se o sistema de gerenciamento não calcula valores que poderiam ser automaticamente preenchidos. Assim, esperam-se mudanças similares as observadas no exemplo da avaliação acima, caso esse filtro inicial não se estenda as demais informações que irão compor o modelo de avaliação. Portanto, a mensagem que queremos deixar ao final desta matéria é para termos bastante atenção no momento de informar e/ou computar os dados, sejam de produção, manejo, registro genealógico, dentre outros, os quais serão fundamentais para uma boa avaliação genética, beneficiando os criadores participantes dos programas de melhoramento genético. Como sugestão, aproveitem essa dica para melhorar seu sistema de coleta de dados, tornando-o preferencialmente informatizado, pois os benefícios, inclusive, vão além dos programas de melhoramento genético, mas também para uma melhor gestão da propriedade. Esperamos que tenham gostado do tema proposto nesta coluna, até a próxima! Grande abraço.

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*Victor Breno Pedrosa - Professor Doutor na Universidade Estadual de Ponta Grossa. Possui graduação em Zootecnia, e Mestrado pela USP (Universidade de São Paulo). Tem especialização em Animal Genomics pela University of Guelph (Canadá) e Doutorado em Zootecnia pela USP (Universidade de São Paulo) e pelo Institut für Nutztiergenetik (Alemanha). É coordenador do LeMA - Laboratório de estudos em Melhoramento Animal.

**Laiza de Souza Lung - Supervisora Técnica em Genômica da CRV Lagoa. Possui graduação em Zootecnia pela UDESC (Universidade do Estado de Santa Catarina), Mestrado em Ciência Animal e Pastagens pela USP (Universidade de São Paulo) e Doutorado em Genética e Melhoramento Animal pela UNESP (Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho").

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